por Taciana Oliveira____
A OUTRA VOZ DO MORTO
Nossos mortos têm voz
Nossos mortos ainda gritam
e acenam em frente ao prédio da justiça
Nossos mortos ainda querem um país digno
Nossos mortos nos olham com um olhar grave - cíclico
De suas covas clandestinas soletram seus nomes
para não serem jamais
esquecidos
Nossos mortos ainda parecem se indignar
fazem longas procissões com cartazes e cantos de liberdade
Atiram poemas ao vento como preces ao deus
Imaginário
Nossos mortos se despem de suas mortalhas
e com punhos fechados desfiam suas cicatrizes num novelo
emaranhado que toma conta das ruas da
cidade
Nossos mortos esquecidos em arquivos
querem saltar para fora das gavetas,
querem novos processos,
novas letras, novos pareceres
Nossos mortos ainda não morreram de fato
aguardam por suas mortes
na antessala do escrivão chefe
no corpo-centro da petição estadual
com honras e apreço do Srº promotor
na parede uma mosca (re)pousa no quadro
do homem decrépito de faixa verde-amarela
Nossos mortos acenam, a morte não lhes basta,
nada fica apenas enterrado e esquecido
Nossos mortos querem dizer algo.
LORCA
O poeta vendado aguarda os disparos
Em pé
Silêncio vertical das armas apontadas
Respiração de réstia de sol
Suspiro de faca cortando o instante
Pássaros de morte infestam o ar
O tiro frontal / seca distância
O poeta vendado cai de lado
Um iguana salta de seu peito perfurado.
TRÊS PASSOS
três passos no escuro
o sangue escorre no tempo
sombras mudas flutuam
faces movidas a óleo
a chama geométrica do espelho
pássaros de tangram no abismo
cordas de um caleidoscópio indeterminado
pulsares - mortos ainda famintos
com bocas domadas - dentes
cravados no vazio
desdobram-se tão enfadonhas mortes
degraus de um precipício assimétrico
nenhuma voz alcança
nenhum poço
nenhum pó
ALMENDRA
1
A
minha cara
A
minha máscara
A
memória escura desse chão
O
relógio apontado para o nada
O
vazio da sombra guardada num móvel depenado
Nos
olhos a atadura espessa
-
pontiagudos cacos de um vidro inquebrável.
2
vertendo
lágrimas
ao
azul sem fim
abrem-se
os fossos
da
palavra
todo
o mar que não cicatriza
corais
lápides
da
memória
dentro
de um copo
se
amplia
desfoca o encontro
da margem com o verso
3
O
silêncio
A
ausência
O
indizível
O
que não é país
O
que não é corpo
O
que não é grito
A
indigência cancerígena
do medo
Um
lamaçal de destroços
Dejetos,
sombras
botas
leitos
horizonte
crispado de hereditárias sangrias
dobras
ensandecidas dos ossos escondidos
sob o tapete
clandestino da sala.
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Taciana Oliveira é mãe de JP,
comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por
fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos.
Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é
ter coragem.