Quatro poemas do livro Os Meninos da Parte Alta, de Madson Costa

 por Taciana Oliveira__






— TERRA DE SÓIS

 

 em 1500 Vera Cruz é tomada 

e repartida entre eles,

o cheiro de morte, da tão amarga morte

apodrece a jângala de nômades

 

de longe vieram em seus barcos fúnebres com 

incontáveis galinhas

em suas memórias traziam

“d. dinis nunca será trovador provençal”

 

sobre as portentas margens latinas

chegaram em roupas pesadas no calor tropical

pero vaz sem caminho veementemente escreveu 

“o melhor fruto, que nela se pode fazer,

é salvar essa gente de terra afável

essa gente sem lei e nem rei

que andam com suas vergonhas despidas”

e que meu deus que os salve

 

nas sarças pré-colombianas

bebiam cachaça cuspida de mandioca,

nas tardes com mais de mil sóis,

nas terras com mais de mil povos

 

os povos de longe sequer saberão tupi-guarani,

nem Bakairi, Suruí

tampouco o tore Oiapoque

ou o cocar Yahua

 

caiapó não conhece holandês,

os Tiriyó-Kaxuayana não destruíram florestas inteiras,

nem os pataxós trouxeram consigo centenas de

 vidas roubadas da África 

sardinha morreu porque não era caeté 

porque o Brasil sempre será Marajó



— PELE NEGRA 

 

o toque na pele Negra

abre as portas do Nilo

para a multidão de coisas de África

os ventos, os dias, os risos,

o mato verde seco da selva,

 os azuis das lagoas, dos mares


um poema não muda a história,

não muda que brancos invadiram as margens 

continentais de África,

tocaram a pele Negra,

mataram a pele Negra,

escravizaram a pele Negra

 

navios de cascos fétidos com suas paredes tumescentes 

de cheiro de morte

de cheiro de dor


navios negreiros trazendo angústias às margens latinas 

navios negreiros trazendo consigo cargas de poesia

navios negreiros levando consigo vidas roubadas de África

 

  

— VIDAS SECAS

 

terra seca e árida,

coberta de marrom-poeira,

vidas secas e lassas 

pobres moças magras 

rodeadas pelo vazio das matas 

no alto do dia

ao cair da noite 

exauridas pela rotina,

banham-se no mar de barro 

de solo seco-quebrado

 

a enxada é sua vida,

o calor — seu inimigo,

perambulando pelas terras vastas do Sertão 

homem sempre atento ao silêncio que o perturba

faz-se práxis a foice para viver,

faz-se práxis o balde para beber

 


OS MENINOS DA 

— PARTE ALTA


os meninos riem, choram e jogam

lá na praça da acauã sobre o chão de areia

sob o calor do verão

entre os ventos da tarde

 

os meninos correm, brincam e jogam

a bola vai de lá pra cá pelo campo de terra

os risos eufônicos com a felicidade estampada em 

seus rostos

as memórias, as lembranças de hoje

 

lembro-me de minhas tardes na praça

caminhando pelas ruas do bairro

as fotos, os fumos da venda,

as conversas casuais com os amigos,

os dias que o vento levou e não trouxe

as memorias passadas

a nostalgia desses dias que correm

hoje estou longe de lá,

mas sinto saudades de meus dias na praça

 

quando mais novo, ia à pracinha jogar bola

via as árvores na calçada

sentia o que era ser jovem

os barulhos da mocidade

as quadras, as ruas, os becos

onde buscava liamba

 

hoje esses dias se foram há tempo

agora resta aos novos meninos continuarem

meus dias na praça





**Poemas do livro “Os Meninos da Parte Alta”, Edições Parresia, 2020






Madson Costa, de 19 anos, é escritor, poeta, professor de inglês, poliglota, redator e colunista. Sua trajetória literária inicia em meados de 2018. Em 2020, foi um dos vencedores do Prêmio Diversidades Literárias, promovido pela SECULT-AL (Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas), através da Lei Aldir Blanc. Publicou seu primeiro livro “Os Meninos da Parte Alta”, em edição bilíngue, em 2021.







 

Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.