por Rebeca Gadelha__
Nakono |
É hora do rush, o sinal
abre. Os faróis dos carros iluminam seu rosto rapidamente, ferindo seus olhos
em meio a fumaça dos escapamentos e o barulho dos motores; diversos motores
frenéticos carregando pessoas apressadas de volta para suas casas, ou para
longe delas, quem sabe.
Sopra uma brisa suave,
quase fria, e então você pensa em dar um passo a frente, apenas um e se deixar
cair no meio da confusão de luzes e escapamentos. Basta apenas um passo, um
mísero movimento e então a dor, o alívio, a escuridão.
“meu deus, meu
deus, que frágeis nos fizestes e que fácil é morrer” *
Basta ouvir este
impulso tão antigo quanto a própria humanidade, este anjo mal que nos seduz
para uma escuridão que não deriva da maldade, mas da ausência. E não há anjo
bom que nos valha nesta hora, nenhum santo de plantão ou deus onisciente que
nos acuda e nos faça vencer a nós mesmos. Há apenas o impulso e o pensamento
que nos embala
“quão fágil nós
somos”
Esta carne e osso que
nos protege não é nenhuma armadura, ao contrário: arranham-se e se partem como
um nada, basta apenas a força certa, precisa, e nós escorregamos
irremediavelmente e de nada nos vale a medicina, se não como uma vã tentativa
de dizer a morte “venha mais tarde, tenha paciência”. Que importa se
há entes queridos a nossa espera ou um jantar quente? Este impulso a tudo
ignora e arrebata, é como o canto da sereia e, quão fácil seria fechar os olhos
e ceder, dar este passo? Há garantias de que será rápido, horrível e
misericordiosamente indolor, sem tempo para arrependimentos, uma palavra, uma
carta de despedida. Restará apenas o epitáfio.
“Venha” e parece que a sereia canta por horas a fio e nós nos debatemos
dentro de nós mesmos, sem dar o fatídico passo a frente, sem dar o redentor
passo para trás, sem esboçar qualquer expressão que revele este dilema interno
de vida e morte.
E o som dos motores
diminuem, os faróis param e é dado o sinal aos pedestres de que é seguro
atravessar, nenhum mal irá suceder agora, nenhum. A voz da sereia somo como se
nunca houvesse existido e o corpo então se move, dando o desejado passo
adiante, mas desta vez não há perigo, não há carros, ônibus ou caminhão para
parti-lhe o crânio e levá-lo ao vazio: há apenas a luz que diz para prosseguir
como um animal amestrado… e a sereia, aah, a sereia, o impulso, jaz tão silente
como se nunca tivesse existido.
*José Saramago em O
Evangelho Segundo Jesus Cristo.