por Iaranda Barbosa___
Re(conhecimento), resistência e representatividade: Passeio Poético – Isabete Fagundes de Almeida
Quantas
dinastias negras conhecemos ou estudamos nos livros de história? Quantos
inventos científicos são atribuídos a pessoas negras? Quais feitos heroicos,
visionários, revolucionários e libertadores associamos às figuras negras? Passeio
Poético, de Isabete Fagundes, fomenta esses e outros questionamentos ao nos
apresentar versos repletos de personalidades negras de extrema importância para
o nosso (re)conhecimento.
O livro inicia com uma série de poemas
dedicados a mulheres, entre eles, “Candaces”. A temática versa sobre mulheres
guerreiras e traz, por meio da disposição dos versos, uma imagem que pode ser
interpretada de diversas maneiras como, por exemplo, um desenho associado aos
símbolos egípcios, um corpo feminino com um vestido com uma saia bastante
armada ou até mesmo uma moringa. Se virarmos o poema de cabeça para baixo,
encontramos uma imagem parecida a uma cabeça com um turbante ou, ainda, a uma
árvore que, inclusive, pode ser associada ao Baobá. Seja nos símbolos, na saia,
no turbante ou na copa da árvore, encontramos versos formados única e
exclusivamente com nomes de mulheres. Nesse sentido, “Candaces” se projeta para
mais além de um poema, quer dizer, é um instrumento de retorno à África, à
ancestralidade, e de chamada para a resistência. Assim, a disposição das
palavras e o desenho formado dialogam bastante, fazendo lembrar um preceito
concretista no qual a forma e o conteúdo se complementam em perfeita sintonia,
não à toa o título remeter à figura feminina.
“Candaces”,
“Osbtáculos” e “Somos todos guerreiros” aparecem bem no meio do livro e
funcionam não como um divisor de águas, mas tal qual uma ponte por onde transitamos
juntamente com rainhas-mães e personalidades masculinas negras que
desempenharam e desempenham papéis importantes na sociedade.
O
livro vai muito além de um passeio poético. Ele é uma viagem histórica, social,
antropológica, literária, política e cultural (para ficarmos “apenas” nessas
áreas) que proporciona um resgate de figuras negras de extrema importância. É
um olhar-se no espelho e encontrar nossos ancestrais nos encarando, dizendo-nos
que houve e há luta, resistência e sabedoria, sobretudo, porque os vários
projetos envolvendo embranquecimento, epistemicídio, extermínio e dizimação do
povo negro falharam, mas devemos estar atentos, pois muitos ainda continuam
vigentes:
Liga
dos canelas pretas
Bem que
desejavam um povo subserviente!
Encontraram
um povo protegido por
Forças
divinas
OGUM
“OGUNHÊ” com sua espada protetora,
Abra os
caminhos para esses guerreiros
Façam
que esses “predestinados”
Driblem
a bola que rola,
Que
discrimina e exclui.
Que
vençam na coragem e competência,
Impondo-se
nessa sociedade seletiva
São
eles, os “Ligas das Canela Pretas”!
Sem as
tais maquiagens para clarear a pele,
Enfrentaram
as barreiras do preconceito,
Enegrecendo
o futebol.
Somos
provocados a seguir investigando e adentrar por outras discussões: o
preconceito dentro do futebol, que maquiagem é essa para clarear a pele e por
quê, o que é ou foi a Liga das Canelas Pretas, por que a entidade de referência
é Ogum? O que significa Ogunhê? Observamos também que a própria estrutura do
poema, assim como alguns outros, aproxima-se de uma narrativa. Logo podemos nos
perguntar: por que a autora resolveu seguir essa estratégia?
A
leitura transborda em representatividade, pertencimento e memória.Ela
desmistifica que a história do povo negro se resume à submissão. Os poemas
instigam à pesquisa ao mesmo tempo em que despertam o (re)conhecimento da nossa
própria história. A obra de Isabete Fagundes, ao trazer essas referências, é
mais uma prova, ao lado de várias outras provas incontestáveis, que faz cair
por terra o pensamento de que o negro não tem vocação para o sensível.
Contrariando todas as mais cruéis estatísticas e calando a voz do preconceito Passeio
Poético conclama: somos sensíveis, apreciamos o sensível e produzimos
sensibilidade.
Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. A referida novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.