Quatro poemas do livro dezessete, de beta(m)xreis

 por Taciana Oliveira __






roxo cor

 


mexe comigo vem

que seja na botina na sola

ou no chapéu se tiver

o que me oferecer

em jeitos de me fazer espanto

e espasmos tanto

na superfície tantos e no

subterrâneo caem cavernas

eu não

quero ficar no lugar de mim eu

não

quero nada disso eu

quero mas não que venha

o laço e me leve que eu repita

farsa e tragédia e nojo

eu não entendo

o que me dá

eu não quero entender o que me atropelou

eu não quero entender o que me deu

o que você deu em mim

com que dado que fico

quantas faces

de material qual

mas de certo roxo

pode ser sua cor e pra marcar entende-se

que precisa doe




depois de um tempo sem ar

 

a queda em si é um mergulho

 

a queda, em si,

é um mergulho

 

inevitável, a queda,

amá-la pra se achar-se:

 

dessa maneira, e apenas assim,

depois de um tempo sem ar

conseguir respirar lá embaixo



mas antes

 

saio debaixo dágua mas antes

eu fosse miscível mas antes

eu não fora míssil mas antes

a missão

houvesse sido outra

mas antes

sequer respiro mas antes

esse raspar de pele menos ríspido

mas antes ante o tamanho de tudo

eu menor eu pior eu ainda

alguém

mas antes coisíssima nenhuma

mas antes eu melhor

em mistura no milharal em mistério sem rima em

mix de rampeira e ranço por me elevar e me botar

fora dágua



potlatch[1], sempre

 

queima adiante os caminhos passados

presentes futuros todas todos maridos

esposas a vir irmãs irmãos filhas filhos

parcerias dadas em berço ou vida queima cada

qual cada coisa que lhe oferecida ofereceram oferece

tudo quanto se possa e tesouros que carregue

nas costas ou guarde embaixo da cama

ou do fundo falso discos livros

casacos abrigos

mães pais nada se pode levar se quiser

sair viva e vivo daqui e vivo disso[2] e

viva aplacando a fome do fogo e queima

sem trégua o gasto e o novo e queima

figas figos trigo abrigo

cartas que não enviou e que recebeu

cálices cetros medalhões

arpões laços algemas

todo o azeite que tenha e sim

as tainhas por favor as trutas

como lenha

vamos todas todes todos ao fogo enfim

sabe-se lá o que virá das cinzas e pra onde

vai a fumaça quão longe e isso é

pedido e gratidão e isso é

celebração e luxo

havemos sempre de deixar ir

para nuas e nossas

tão nossas melhor correr




[1] Referência à Sociologia e Antropologia, de Marcel Mauss (Cosac Naify, 2014)

[2] Intertexto com Dog Days Are Over, de Florence + The Machine (Lungs, 2009)






beta(m)xreis é uma pessoa trans não-binária, e usa os pronomes ela/dela. Já assinou como Roberto Reis. Nascida em Brasília em 17 de agosto de 1988, mas goianiense de criação. Fez graduação em Ciências Sociais na UnB e mestrado em Antropologia na UFG. É artista, educadora, pesquisadora, tradutora, revisora e voluntária. É zineira desde 2016. Em 2016/2017, dançou no espetáculo Cartas de Frida e atuou em Mundo Cerrado. Apresenta performances presencialmente e virtualmente desde 2019. Publicou poemas na antologia Sobre Gostar Menos (Selo Naduk – Nega Lilu Editora, 2019). Teve seu primeiro livro publicado, dezessete, em 17/02/21 pela Nega Lilu Editora. O livro Lobo Bobo surge em 17/04/21 (obra digital, auto publicação). Integra o Coletivo E/Ou e a Coletiva Antropofabis. É editora da revista de arte TEM BASE?!

 





Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.