por Mayk Oliveira__
Os Amanhecidos (Uma carta para Whitman)
Adormeço a manhã inteira em meu sonho,
Observo com todo cansaço desse mundo e também
quem sabe de outros... bocejo e enxugo os olhos.
De olhos já bem fechados imagino os olhos abertos
dos amanhecidos;
Suntuosamente abrem os braços os trabalhadores
Suntuosamente respiram os inocentes na viagem matinal;
Os dentes amarelecidos dos ébrios, o espreguiçar cauteloso
dos cães vadios, toda sorte da fortuna dos pedintes
e suas moedas empobrecidas;
O ronronar de gatos virados, a rua varrida de folhas
pelo vento noturno e embaralhados nos sacos de lixo;
Os velhos a perscrutar o dia ainda póstero,
os pássaros procurando penetrar nos segredos matinais;
O acordar intranquilo dos amantes agora desentrelaçados,
as camas ainda quentes de esperanças sidéreas;
O doente acorda, o ladrão acorda, quando o padeiro
já estava acordado.
A canção acorda todos por uma só nota e o zéfiro
refresca os cabelos molhados das estudantes despertadas.
O fogão aquecido acorda com café, o encontrado
embotado anda, às vezes desperto outras vezes nem perto;
Os sinos acordam os pombos, e o absolvido acordo com fé.
Os efusivos, ah...nunca dormem, nem quando
sonham que estão dormindo;
O condenado acorda e acorda seu carrasco,
que altivo lhe diz bom dia.
O que já foi famoso e o político barganham
sempre uma forma de acordar,
Lançam-me sinais como dedos, como aparições.
Os sonhadores subitamente acordam
Olhando-os percebo quão longe estão de mim,
Os amanhecidos atiram-se no dia,
e me importa o que me inunda.
Uma coisa só
Sim, é verdade. Os homens escolhem ser metade
Dividem-se ainda garotos por influência
Esquecem rapidamente do todo que outrora foram,
e mergulham no espelho caduco das formas sociais
Brincar é a prova de amor entre diferentes,
e de tão apertados, enxutos, herméticos,
nascem completos
São uma única coisa, massa, sensação. Mas depois
dividem-se. Percebendo, querem de volta, e estão longe
Viver muito pode causar dependência
Areia
A rua, a penumbra, o virote da alma insone,
a cuia de umbu, o alto dos cânions,
a tela pitada no quintal, a incerteza das onze-horas,
as costas do pai, a castanha no doce,
o duplo seis dados da fubica, a música à tarde,
o livro novo, o sabre do sol pela fresta do telhado,
os insetos rocinantes, o tempo suspenso tal o próprio
Mayk Oliveira é historiador, poeta, natural de Delmiro Gouveia. Lançou "O livro dos delírios" (2020), pela Edições Parresia.