por Argentina Castro__
“narrava-se
para se reconhecer, para se consertar, para se refazer”
(O
autor, Rafael Silva)
O que você tem em mãos é um livro inaugural, um objeto que,
oficialmente coloca Rafael Silva no mundo literário como escritor. No entanto, Escritos sobre um velho em ruínas, nos
coloca diante de uma primeira pergunta: o que faz de nós um escritor é um livro,
literalmente, novinho em folha e posto no mundo? Se sim, o que dizer desse
jovem autor que, de primeira, nos apronta uma dessas como se já fosse um velho
conhecido escritor pela maestria com que nos apresenta suas narrativas?
Talvez, publicar um livro é tão somente uma escolha, mas ser
escritor é construção, tijolo por tijolo, de sentidos, leituras, escritos e
mais escritos, inquietações e mais inquietações e uma necessidade vital de
pensar-escrever a vida e o mundo de forma literária. No caso de Rafael Silva,
que sorte a nossa ter esse livro em mãos! E, portanto, que bom que ele escolheu
publicar suas andanças como escritor e, em contraponto, nos apresentar em
memória, desabafo, acróstico, carta, monólogo, diálogo e poema, o velho Gonçalo
e a trama de suas angústias e do seu envelhecer, as performances de uma vida
toda que, no fim da curva, já não convence nem o maior dos inocentes e suas
últimas léguas, quando foi “abatido e derrubado pela sua própria história”.
Escritos sobre um velho
em ruínas pode ser lido do último texto ao primeiro e manterá em nós,
leitoras e leitores, um entendimento claro do entrelaçamento e, ao mesmo tempo,
um desvelar do fio da meada das andanças de Gonçalo no mundo. Contado e
recontado por si mesmo, pelo neto, por um dono de bar, por um interlocutor
indefinido em um diálogo impossível e onomatopeico, Gonçalo que nunca foi
feliz, caminha para o fim.
“O velho está morando no meu quintal”, diz Rafael Silva, aos
vinte e quatro anos de idade. E o que é o quintal senão a parte mais profunda e
íntima de uma casa? O lugar que colocamos aquilo que não queremos mexer ou,
então, as coisas nossas que, a olho nu, não tem valor? O que é o quintal da
alma de uma pessoa senão suas memórias, imagens, saudades, os ditos e não
ditos, os feitos e os não feitos, os segredos mais profundos e, só revelados
quando não há mais chão para se andar, quando, enfim, como diz o autor, a morte
de uma pessoa que amamos nos chega como o rompimento de um nó central de uma
teia?
E o amor não dado e retribuído, o machismo nosso e de cada
dia, o trabalho infantil, o lavrador e suas mãos calejadas, a migração juvenil
para a cidade grande e o amor (de Irene), aos 17.
Gonçalo e Rafael nos dizem que envelhecer é como falar para
o vazio de si mesmo…
Um livro como esse, que se lança no mundo em tempos
pandêmicos, me diz, entre dezenas e dezenas de outras coisas importantes,
aquilo que parece clichê, mas não é: a vida é breve e dela só levamos o amor
que recebemos e que, corajosamente, somos capazes de dar.
Uma honra atravessar esse rio da vida colocando os olhos
sobre a produção literária de Rafael Silva e, a partir disso, descobrir nele,
um amigo para chamar de meu.
Sejam bem-vindas e bem-vindos.
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Argentina Castro é escritora, antropóloga e idealizadora da Biblioteca Comunitária Papoco de Ideias