por Dias Campos__
Solen Feyissa |
Muitas
foram as lendas que se formaram em torno da soberana Norma Culta. No tempo das monarquias absolutistas, por exemplo,
corria à boca miúda que fora ela, e não o Rei Sol, quem primeiro proclamou a
famosa frase L´état c’est moi; e isso
quando o enxotava do seu quarto por não lhe agradar a noite de amor.
O fato,
porém, é que seu poder e influência eram tão grandes que excederam os limites
da Velha Terra, cruzaram o Atlântico, e desembarcaram em terras brasileiras.
E como
encontrasse solo fértil, onde “em se plantando tudo dá”, pôs-se a cultivá-lo
com esmero, seduzindo os intelectuais, entusiasmando os literatos, e cativando
um seletíssimo público. – e viva o Parnasianismo!
Ocorre
que sua ambição não tinha limites. Daí que sua vontade começou a chocar-se com a
dos súditos que aqui viviam, chamados Regionalismos,
posto que não aceitassem ver suas tradições profanadas.
Ora,
como fosse uma déspota não
esclarecida, pouco ou nenhuma importância dava às suas reivindicações. E tratou
de ordenar o encarceramento dos insubmissos.
Não
demorou muito, portanto, para que a insurreição eclodisse!
De
primeiro, quatro foram os focos de resistência. No Sul, os orgulhosos Bah Tchê, cuja participação de sua
cavalaria na quarta expedição a Canudos marcaria o início da queda do
Conselheiro; no Sudeste, os insubmissos Orra
Meu, que a história mostraria não ter sido vã a morte de quatro de seus
estudantes (M.M.D.C.), e os come-quietos Uai,
que um dia teriam o privilégio de ver no filho mais dileto de Diamantina a
personificação do progresso; e no Nordeste, os sossegados Oxente, que se por um lado eram admirados pela elaboração da
iguaria acarajé, por outro, seriam temidos, pois saberiam usar da peixeira
quando o sangue lhes subisse à cabeça.
E se é
verdade que as investidas da realeza produziam muitas vítimas, não menos exata
é a afirmação de que as incursões dos insurretos acarretavam perdas
consideráveis.
Só que
à medida que a opressão recrudescia, e alastrava-se, outros Regionalismos começaram a interessar-se
pela revolta. E ao cabo de alguns meses, todo o Brasil uniu-se em torno de uma
mesma bandeira – era preciso derrubar o reinado de Norma Culta.
Depois
de perder praças cruciais, e temendo por sua vida, a monarca achou prudente
recuar; pelo menos até que conseguisse reagrupar suas tropas.
Em um
esforço desesperado, dois de seus ministros, o barão Gongorismo e o conde Quevedismo,
mandaram publicar, nos principais jornais do país, manchetes conclamando os eruditos
a que defendessem Norma Culta.
Apenas Olavo
Bilac respondeu ao chamado. E ofereceu às partes em contenda a Última flor do Lácio, inculta e bela,
com que homenageou a língua portuguesa, considerando-a a última das filhas do
latim.
Houve
um verdadeiro alvoroço! menos pela sublimidade do soneto do que pela
compreensão quanto aos adjetivos finais. – o que não deixava claro se o poeta
tomara ou não algum partido.
Daí que
Sua Majestade sentiu-se profundamente
ultrajada, visto que se achava bela, sabia-se a culta.
Já os Regionalismos deliciaram-se, pois mesmo que
a beleza da rainha tivesse sido enaltecida, o Príncipe dos Poetas Brasileiros atrevia-se
a chamá-la de ignorante.
E como
a celeuma permanecesse, alternativa não teve Olavo Bilac senão a de explicar o
que pretendera.
Começou
dizendo que a palavra “inculta” referia-se ao latim vulgar, ao falado pelos soldados,
pelos camponeses, pelo povo em geral. Diferia, portanto, do latim clássico, o
empregado pelas classes mais esclarecidas.
No
entanto, fosse utilizada por estas, fosse dita por aqueles, o que importava, em
verdade, era que a língua portuguesa continuava a ser bela!
E
terminava perguntado quem aproveitaria uma guerra se a parte mais prejudicada
seria sempre a Flor do Lácio?
Como
caíssem em si, firmaram um armistício.
E desde
aquela época, Regionalismos e Norma Culta convivem em harmonia, contribuindo,
cada um à sua maneira, para que a nossa Flor torne-se cada dia mais viçosa.
Dias Campos é autor do romance As vidas do chanceler de ferro, Lisboa: Chiado Editora; Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal Pense! Numa notícia; autor de diversos textos literários; autor e coautor de livros e artigos jurídicos.