por João Gomes___
Todas as manhãs seguem iguais, nem
por isso menos encantadoras. É inesquecível as primeiras horas da aurora, para
segurar o dia com um espetáculo de cores num ar puro e gélido. Os amanheceres
sempre me inspiraram poemas, contribuem com a leveza dos versos ritmados no
sossego da alma. Gosto de sentir o privilégio de, mesmo sem ter dormido, poder
me recolher após tal deleite. Acordar algumas horas antes do espetáculo, como
um ator que tira um cochilo antes de seguir para o teatro, é bem mais
proveitoso. Poder correr ou pedalar com a rotina equilibrada, sem o embate do
trânsito, num momento de pouquíssima desatenção.
Como não se concentrar em si,
havendo a conexão da natureza com o espírito em movimento ou completa
meditação? Desacelerar, esquecer o relógio analógico e se encontrar com o
avanço solar. Talvez eu não conheça uma forma de gratidão maior que o contato
com o amanhecer. É o poder de começar o dia como se deseja, e bem mais
importante que estar informado de tudo. Você
sabe onde se encontra com seu pensamento, não importando a fala do jogador que
não aceita a perda de um campeonato, por exemplo. Só depois, de uma forma
invasiva, a sangria da tragédia contemporânea a manchar os dias.
Quanto menos importante a notícia,
melhor o distanciamento para compreender o fato passado. Assim tenho feito para
seguir acompanhando o mundo ao meu modo. Porque o mais importante é deixar a
luz da manhã entrar, só depois disso posso reclamar do calor que será o dia. Se
chove muito e não vejo a aurora, no cheiro da terra molhada está o segredo
daquele contato. É sim possível fazer ambas as coisas, porque não é bom
desaperceber do que está acontecendo, sempre atento aos sinais.
Mania essa nossa de não querer
compartilhar as coisas simples, sobretudo quando escritas. É da leveza que vem
o equilíbrio da vida, por isso a resposta do autoamor quando experimentamos a
aurora. O insone se recolhe, o bêbado leva sua topada, só atravessam a entrada
do dia. Quem cedo acorda desperta a vida em sintonia com o melhor de si. E não,
já não comparo à disciplina de quartel, por mais que seja, porque não falamos
de obrigação. Com o tempo passa a ser rotina, sem sermão de nenhuma espécie,
qualidade de vida entranhada.
Por isso escrevo a manhã dos dias,
limpo refaço meus hábitos. Em especial, para ninguém saber. Se cedo desperto
para meditar, correr, pedalar, caminhar com minha cadela Mel ou escrever
crônicas mais que poemas inacabados, é porque aprecio possibilidades. A poesia
me veio em forma de prosa, assim como esta manhã que escrevo sem necessariamente
fazer disso um diário. É só para que eu saiba o que realmente importa, o que
sinto quando estou conectado com o canto dos pássaros. Prefiro a terapia do
silêncio interior vendo o dia despertar como treino em retomada.
João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.