por João
Gomes__
Machuquei a coluna com um escorregão
ao sair do banheiro com os pés enrugados de vaidade. Como se fizesse diferença:
no dia do meu aniversário. A pancada não atingiu a coluna, só comprimiu um
nervo das costas, não sei se o sacro ou ciático. Até o momento, só havia tido
duas inflamações por trauma. Uma na parte superior do pé, ao correr para trás
como recomendação de um tutorial, e a outra nos tendões por trás do joelho
esquerdo por correr vários quilômetros sem me alongar. Nenhum desses traumas
curei com absoluto repouso, porque na época era teimoso e bem mais
desassossegado do juízo. Dessa vez aprendi, ao que parece, da importância de
repousar.
Quem comprime um nervo sabe, não é
permitido ficar muito tempo na mesma posição. Senti que nenhuma era interessante,
tendo um lado travado por um baque numa cerâmica molhada. O susto chega a ser
tão grande, que você pensa que ficará pra sempre acamado, dependente. O ciático
é o maior nervo que temos, vai da coluna vertebral até os pés, formado por
várias raízes nervosas. Ele é responsável por controlar todas as articulações
abaixo de nossa lombar, no caso, de nos dar vida por inteiro. Quando comento
que machuquei o ciático, alguém sempre diz: bem-vindo ao clube da ciática,
referindo-se à dor crônica causada pela inflamação dessa região.
Sempre me alonguei, por invejar
professores elásticos de ioga e de performances do Cirque du Soleil e de
talentos da televisão internacional. Minto, sempre me alonguei para me sentir
vivo, conectando meus extremos, sentindo o seio do meu próprio ser, inclusive
como meditação. Alongamento é vida, e nada me interessa o exagero nesse tipo de
treino. Nunca vou querer abrir escala, ou mesmo levar a perna aberta ao
encontro de minha mão como num arco. Desse jeito eu fazia, como num passo de frevo,
quando aprendi a andar de bicicleta e não sabia frear. Alongar é como pedalar,
é repetir os mesmos movimentos por sobre meu corpo abraçado. Fico vários
minutos com as pernas atravessando minha cabeça, ou com os joelhos apoiados
sobre minha testa. Depois pedalo como se o encontro corpo e mente tivesse se
estabelecido por completo.
Dessa queda, me recuperei só hoje,
18 dias após o susto. Curar uma inflamação é tão emocionante quanto a sensação
de nascimento. Novo em folha ninguém fica, porque a lâmina da vida não é nada
cega, nada passa despercebido. Pode passar batido numa pancada que às vezes
atinge o crânio ou o pescoço sendo até fatal. Só passou pela minha mente uma
incerteza: será que esse bendito nervo precisa ser cirurgiado? Quando vou me
sentir bem novamente para fazer o que mais gosto: correr, pedalar, agachar com
uma barra nas costas? Resgatar a saúde é o maior dos bens dessa vida. Mas foi
após muito relaxante muscular a base de cafeína, analgésicos e uma caixa de
ibuprofeno que me comprimiu também o estômago, que suspendi tudo para aguardar
a resposta do meu corpo.
Quando enviei a foto do anti-inflamatório,
um amigo médico homeopata condenou: "Isso é ruim pro estômago e pros
rins". Verde de dor, concordei e pensei: se a gente for ler a bula, não
tomamos nenhuma cápsula, o remédio vai pelo ralo. E vai mesmo, mas antes nos
detona os órgãos, assim caminha a indústria, conformando aqui para lesar ali. A
homeopatia faz o contrário: trata humanamente de forma individualizada. Meu
amigo recomendou o mesmo quando me queixei das dores nos tendões dos joelhos:
tintura de arnica. Como conseguir medicina alternativa no delivery, eu que fui
atendido super bem pela telemedicina?
Passei a tomar chá da folha da
goiabeira, por ter propriedades anti-inflamatórias, não servindo apenas para
disenteria como pensam a grande maioria, ou como eu pensava servir apenas pra
fazer crescer o cabelo. Nada parece mais importar quando seu maior nervo está
inflamado, por isso fui convidado a estar no clube dos que sofrem sem saber
como encontrar a cura. Passei a usar cúrcuma, o açafrão, nos cozimentos de
massas e grãos, por suas propriedades anti-inflamatórias. Com a queda, fiquei
jururu andando como um lagarto. Foi meu modo de virar jacaré sem ter sido
vacinado ainda. Parecia uma performance do cão, mas estou cicatrizando,
pedalando e gritando em protesto deste último sábado: fora genocida!
João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.