por Iaranda Barbosa__
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Quantas Artemísias você conhece?
Distraídas mãos masculinas percorrem joelho, ombro, seios, bunda, coxa,
vagina... na cozinha de casa, na sala de aula, no escritório, no parquinho, no asilo,
no hospital... o balançar do ônibus ou do metrô é desculpa para encostar-se, roçar-se no corpo
alheio e ejacular sobre a saia, a blusa, os cadernos, a bolsa... toques sem
consentimento... dedos pedem silêncio, se juntam ao redor do pescoço feminino
para sufocar-lhe a voz...
A sociedade busca sempre um monstro ou um louco para justificar o abuso,
o assédio, a importunação, quando na verdade temos o pai amoroso, o filho
querido, o amigo de infância, o vizinho prestativo, o padrinho zeloso, o irmão
protegido, o avô cuidadoso, o tio que vem nos visitar, o primo distante, o marido
fiel, o namorado carinhoso, o padrasto rígido, o patrão exigente, o colega
simpático, o conhecido brincalhão, o funcionário exemplar, o brother do
futebol, o amigão da mesa do bar, o irmão da igreja... insuspeitos, imputáveis,
inocentes... Nos dizem loucas se gritamos, nos desacreditam se pedimos ajuda,
nos condenam se denunciamos, nos ameaçam se delatamos, nos envergonham se reclamamos...
Sedutora! Puta! E a roupa? Àquela hora na rua? Sozinha num bar, tá querendo
companhia. E esse perfume? Batom do pecado. Mas por que não resistiu? Denunciou
só agora? Tem certeza que não foi impressão? Feia assim deveria até agradecer
por isso ter acontecido. Estava bêbada. Quer ficar famosa.
Foi só um beijo roubado, apenas um toque, simples elogio, brincadeira...
Mas o corpo profanado com a sujeira alheia é o nosso, a roupa rasgada é a nossa,
as cicatrizes (re)abertas são as nossas, os pesadelos na vigília são os nossos,
as almas perturbadas são as nossas, os ossos fraturados são os nossos, a
vergonha é a nossa, os sonhos adiados são os nossos, as lágrimas represadas são
as nossas, os dentes perdidos são os nossos, a vida ceifada é a de todas nós.
Quantas Artemísias você conhece?
Iaranda Barbosa