por Adriano B. Espíndola Santos__
Jr Korpa |
Ontem,
esqueci-me de sonhar; como deveria fazer em todos os dias santos e profanos.
Puro descaso. Falta de amor-próprio. Vontade recorrente de me jogar do décimo
terceiro andar; para acabar logo com isso. Fato: deixei que se formassem vãos imensos,
por muito tempo, nas terminações do cérebro. Não culpo ninguém, nem mesmo a
Fabrícia, a que se dizia minha amiga; que, em três oportunidades, me mostrou a
que veio: primeiro, usou o meu cartão de crédito e largou nos meus peitos o
rombo, de cinco mil reais – alegou que me pagaria as parcelas, até 2022, e eu
acreditei; depois, passou uma mensagem ordinária para o meu ex-namorado: “João,
amorzinho, te espero na garagem do Iguatemi. Vem logo, que eu tô pegando fogo!”;
por último, como se não bastasse, levou o cretino – na verdade, me fez um
favor, já que não suportava dar para um cara que não esboça uma reação, parecia
que estava transando com uma porta –, esse de que acabei de falar; e, de
lambuja, a biscate, para me provocar, posta quase todos os dias nas redes
sociais que é “mãe” do Thor, o meu filho, um labrador de três anos, o tempo que
namorei o safado – era nosso, e ele não deixou que eu ficasse com o maior amor
de minha vida, nem ao menos vê-lo eu posso, daí tive que entrar com uma ação,
para ter a guarda compartilhada ou, precisamente, pegar meu filhinho para morar
comigo, como o doutor Atualpa de Alencar me prometeu, o advogado boa praça, pai
do Arthur, um amigo, mais que amigo, que quebrava um galhão, me fazendo ter
múltiplos orgasmos. Não é preconceito com o doutor Atualpa, não, mas me parece
que, com setenta e três anos, se não for por prestígio, o processo não vai
andar. Não culpo a Sara, minha irmã, por ter se mudado para a casa de nosso
pai, em Flexeiras, para trabalhar num resort – de fato, para se ver
livre de mim. A digníssima, no pior momento de minha vida, recorreu à covardia.
Ela havia me jurado que não me abandonaria, como fizeram mãe e pai. Aliás, Sara
deveria ter o mesmo remorso, quiçá sentir os meus mesmos flagelos, mas, não,
ela mantém contato cordial com os dois, que nos largaram aos doze e dez anos,
respectivamente, ambos por aventuras amorosas – hoje, o velho dragão, que cospe
fogo e destrói tudo que vê, pelo que sei, tem mais cinco filhos e, por estar
separado e só, pediu que minha caridosa irmã fosse morar com ele. A minha
genitora mora em Curitiba, decerto para combinar com ar carregado e imponente
da “Europa brasileira”. Casou-se de novo e se mantém com a criatura desde que
se separou de meu pai; o que era amigo dele na Petrobras – a história se
repete, então; engraçado. Não, não tenha impressões precipitadas, leitora: não
culpo os meus pais. Eu não suportaria viver com eles hoje. São dois
desmiolados; não têm amor a nada, a não ser ao dinheiro – felizmente, nesse sentido,
não o tenho. Já a Sara, sempre econômica e organizada, ajuda a um e a outro da
família, principalmente quando passou um ano na Inglaterra, a pretexto de
estudo, com o namoradinho; ganhando em libra. Sinceramente, de coração, não
culpo a minha vozinha, dona Eleonora, mãe do cachorro do meu pai – esta que me
criou –, por ter me abandonado sem mais nem menos. Falo abandonar, mas na
verdade ela havia passado do prazo de validade; estava cumprindo hora extra na
terra, e eu era a única que não a permitia partir. Como posso culpar a mulher
que de mim cuidou e me ninou; a mulher que acobertava as minhas loucuras e que me
dava parte de sua pensão de esposa de milico graduado?! Eu que fui otária de
não guardar mais dinheiro! Por mês, vozinha me presenteava com módicos cinco
mil reais. Para isso, eu precisava somente estudar e dar-lhe uns afagos. Talvez
por isso eu tenha passado nove anos na faculdade de Jornalismo. Para a minha
sorte, vozinha não reparava os anos. Sempre me perguntava: “Falta quanto tempo
para você se formar, minha filha?”. E eu declarava uma projeção alongada, coisa
de três anos, para ela se sentir saciada de sua dúvida. “Ah, tudo isso! Pois
estude, minha filha; você já está uma mocinha, precisa dar um rumo na vida”.
Bom, não seria bem mocinha; nessa altura, pouco antes de ela morrer, eu estava
com trinta e cinco anos. A minha sorte é manter essa cútis corada e linda.
Penso que vozinha imaginava que eu teria vinte e poucos anos. Enfim, não a
culpo pela miséria que passo agora, tendo de trabalhar de secretária executiva,
para me sustentar e sustentar os meus vícios. Pelo menos, não arredo o pé do
apartamento da vozinha; já falei para o tio Fernando e para o meu pai; porque fui
eu que cuidei dela e, portanto, tenho direito a tudo. Estou lutando para ver se
consigo uma boa fatia do bolo do inventário; vozinha me favoreceu com um belo testamento,
narcotizada, é claro; mas foi o jeito. Espero, também, que alguma indenização,
dos dez estabelecimentos que processei, caia na conta. Não culpo ninguém, nem a
mim; o destino prega peças, não é mesmo? Culpa dos deuses, das deusas, dos
extraterrestes e de todas as forças invisíveis, que me põem para baixo e querem
me atingir; me abater. Não darei esse gostinho. Hei de superar. Se não superar,
paciência: ou pulo de cabeça para o infinito, desse décimo terceiro andar, ou
aprendo a assaltar. Terei um tempo para pensar nas opções; até o dinheiro
acabar.