por Taciana Oliveira___
Schopenhauer
Para cada sonho uma lápide
sóbria como o próprio cortejo,
depois disso, treinar seu cão
para morder qualquer desejo;
rasgada a farda da alegria
que, na batalha, o distraía,
agora a dor, em tempo célere,
pode estender, com dignidade,
sua cólera à flor da pele,
para sarjar com sua lança
tantos tumores da esperança.
Do livro Meditação sob os Lajedos.
Natal/Recife: EDUFRN/Bagaço, 2002.
Premonição
Por uma longa, longa época,
em certo país ensolarado,
as pessoas viviam trancadas,
atrás das grades, vidradas de terror.
Enquanto isso, pequenos e grandes demônios
caminhavam pelas ruas, massacrando
os que ousavam sair,
para comprar sabão e comida.
As igrejas e as escolas,
fechadas há muito tempo,
privavam de fé e conhecimento
as novas gerações.
Os governantes desistiram de governar
e ninguém quis sentar nos seus tronos, vazios,
nem mesmo os vencedores, os demônios,
que preferiram desfilar com suas corjas,
cheias de estandartes e molhadas de sangue.
Dessa época ficaram muitos códices e fotos,
que não foram levados em consideração.
A desgraça quando chega a terríveis alturas
vira mito nos livros e satânicas lendas
para assustar as crianças.
Ai de quem viveu naquele tempo
de tão sórdida provação.
Uma tarde, os demônios resolveram partir
por vontade própria,
e as grades foram entulhadas nos pantanais.
Certa noite, todos os animais em desespero
jogam-se nas paredes, nos troncos,
partem cordas, coleiras, cabrestos e lutam para desaparecer.
O que eles pressentiram
ninguém desejou saber.
"Prosas de Além Bar e outras prosas" (2007). In:
"Poesia completa". 2017.
Relógio de Ponto
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.
Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas, com o verniz das estrelas.
"Poesia completa". Record, 2017, p. 100
Alberto da Cunha Melo - poeta, jornalista, sociólogo, nasceu em Jaboatão, Pernambuco, em 8 de abril 1942 e morreu no Recife, em 13 de outubro de 2007. Visitem o site do autor: clica aqui
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga,
cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café,
cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do
abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.