por Ingrid Carrafa__
“Não desistir.
Teimar e enfrentar o mundo
Armada com poesia
Nesse tempo impróprio em que
desnudar a alma
É um ato de coragem.”
Flagrei
minha mãe numa conversa ao telefone com a minha madrinha:
-
Ingrid é uma diaba de dois rabos e quatro chifres, Célia. Na inquisição teria
sido jogada na fogueira gargalhando. Na ditadura teria sido presa e torturada
(nessa parte ela dá ênfase) e ainda cuspiria na cara do ditador! Tá ela lá no
quarto, dormindo, toda aberta e pelada. Igual aquele quadro que tem lá na
parede do quarto dela, do tal Da Vinci. A esposa do vizinho militar reclamou
esses dias que ela deu pra estender roupa cantarolando nuazinha em folha, a
descarada. Mas é humana, a pobrezinha. Sofre de dar dó... Esses dias a viram lá
perto da rodoviária abraçando o nóia malabarista. De gato de rua recolhido já
fomos pra nove!
Deveria
ter metido ela naquele internato de freiras lá em Colatina.
A culpa
é do fogo do meu mapa astral. Do meu ascendente em sagitário, da minha lua em
áries. Maldita maré cheia no dia em que eu nasci roxinha da Silva de um parto
normal!
A culpa
é das dez pneumonias que não me mataram.
A culpa
é dessa fome desaforada, dessa curiosidade animalesca, desse instinto primitivo
desenfreado. Desse gosto de língua mordida na boca.
A culpa
é da minha Maria Madalena interior. Da minha Frida; Dalila com pele de naja;
Joana D´Arc metida à massagem tailandesa. Avessa, contagiosa, cadela raivosa
toda babada e sorridente feito massagem clitoriana. Ré confessa; crime cometido
e constantes espasmos orgásticos de vida!
moscas
varejeiras na parede
a
parede é minha amiga
desde a
primeira tentativa de suicídio
Eu
nunca quis olhar pra fora
lá fora
é frio
com
toda essa gente amontoada em bares, boates e cafés
lá fora
é vazio
com
toda essa solidão devastada
de uma
poesia que não vingou
lá fora
é uma piada triste
na
esperança que termine
um dia
todo
esse desfile de gente morta
enquanto
os manicômios estão cheios
nunca
quis olhar pra fora
meu
coração passou a bater na parede
quando
eu enfiei goela abaixo 6 caixas de comprimidos tarja preta
meu
coração está sendo comido vivo
pelas
moscas varejeiras na parede
*Poemas do livro "E quando borboletas carnívoras dançam no estômago", de Ingrid Carrafa
Ingrid Carrafa é escritora, atriz e atualmente se dedica à poesia. É autora dos livros “Entre rosas e abismos” (poesia - editora Penalux, 2015), “Não joguem pedras na Geni” (poesia - independente, 2016) e o mais recente “E quando borboletas carnívoras dançam no estômago" (poesia - editora Maré, 2021).