por Germana Accioly__
Tento aproveitar um momento de
paz, ou de solidão, para escrever.
Devo ter meia hora, no máximo.
Estou aqui no trabalho. Calhou
de estar sozinha na sala.
Lá longe ouço o barulho da
reforma do elevador. Martelos, serras elétricas.
E, ainda assim, eu comecei este
texto dizendo que estou em paz.
Nos últimos dias a lua cheia
pendurada no céu do Recife deve ter mexido comigo.
Alternei entre marés muito
altas e outras baixinhas.
Ressaca.
Fortes ondas de memória, ventos
transformadores. Longas caminhadas.
Dizem que a lua conversa com as
mulheres, assim como dita ordens aos ventos.
Esta lua me trouxe lucidez.
Dessas avassaladoras. Dessas
estruturantes. Dessas desconcertantes.
Uma reforma interna, menos
barulhenta do que a que eu ouço agora.
É preciso caber em si.
Um trabalho...
Sim! Um trabalho!
Eu sou este jogo que se monta e
desmonta.
Que remonta e desconstrói.
Tenho produzido novas peças.
Como quem faz um crochê,
desenhando com linha e agulha figuras aleatórias.
Vou desenhando e desfazendo.
Alinhavando
Contando histórias, calejando
os dedos, cada ponto, seu lugar.
Lembro das minhas avós, mestras
no crochê.
Elas faziam lindas roupas para
mim, para as bonecas, faziam colchas e redes.
Tudo a partir do fio e de uma
agulha com ponta rombuda.
Quais pensamentos elas cosiam
enquanto desenhavam com a linha?
A precisão de fazer arte, de
vestir e adornar, a partir de quase nada.
É preciso caber em si.
O exercício é diário.
As luas minguam, crescem,
novas.
Eu caminho para dentro.
A reforma lá fora silenciou.
Deve ser a hora do almoço.
Germana Accioly é escritora e jornalista. Escreve no blog Perder de Vista