por Adriano B. Espíndola Santos__
Jr Korpa |
Jerônimo
voltou. Pense numa festa danada. Festa é modo de se dizer. O homem não
aguentava nem ficar em pé, quanto mais pular, dançar. Quem preparou tudo foi a
minha mãe Darcy. Ela tem um negócio com esse irmão que só vendo. Mas não era
para menos. Jerônimo voltou do hospital, depois de ficar uns tantos dias
internado e entubado na UTI. Um troço medonho; não queira saber. Via minha mãe ajoelhada,
dia e noite, rezando para santa Bakhita, uma santinha que cuida dos doentes.
Não sei se foi bem isso, não acredito muito nessas coisas, mas o homem saiu,
vencedor. E Jerônimo, pelo porte e pela história de vida, merecia sair. Não que
eu esteja dizendo que os outros não mereçam, mas esse, sim, é dos bons; homem
direito e trabalhador. O ruim é que o tio não queria saber de vacina, de
medicamento, de coisa nenhuma. Não era por bestagem de acreditar em presidente,
aquele bicho imundo; era só por birra mesmo – menos mau. Jerônimo tomava umas
gororobas e achava que assim estava preparado para enfrentar “qualquer
furacão”. É desses cabras brutos do mato, que só respeita, na risca, a lei da
natureza – e olhe lá. Tantas vezes eu e mãe falamos para ele se cuidar; para
não andar sem máscara, se expondo sem necessidade. “Ora essa, Darcy, e eu lá
sou homem de dar conta de frescura!”. A resposta sempre vinha na ponta da
língua. Ver tio Jerônimo naquelas condições, franzino que nem um sibite
baleado, deu um dó danado. Ele não sabe a sorte que teve de sair dessa com
vida. Luís Carlos, um bombeiro reformado que mora na rua de baixo, também
metido a durão, morreu com cinco dias no hospital. Quando chegou, disseram que
o pulmão dele estava oitenta e cinco por cento comprometido. Entubaram, e ele
não deu nem conta do sucedido. Morreu de graça. César da Quinca, amigo do tio,
tocador, boêmio, demorou mais, sofreu o pão que o diabo amassou; cinquenta dias
no hospital. Esse morreu porque não aguentava segurar o rabo dentro de casa.
Queria estar no mundo. Bobeou feio, participando de festinha clandestina. A
mulher até botou ele para fora de casa, para proteger os netos; mas pensa que
ele se redimiu? Passou a morar na casa do Adriano, um vagabundo beberrão; num
barraco caindo aos pedaços; ponto de droga e o escambau. Maria chorava tanto,
arrependida; pelo menos, não deixou que a doença entrasse em sua casa. Não
duvido que tio Jerônimo tenha pegado esse negócio de Covid nas andanças com o César
ou com o Adriano. A questão é que o tio morava só. Quando tio Jerônimo resolvia
fazer uma visitinha, mãe só o recebia na porta, por insistência minha. Ela
chorava escondida, porque tinha pena do irmão. “Dmitri, esse homem não vai
aguentar a solidão! Vou arrumar um jeito de prender ele dentro de casa”. Aí
virei bicho e bati o pé: “Aqui não, por favor!”. Antes de qualquer decisão, o
homem se internou – e eu que fiquei com peso na consciência. A verdade é que o
velho é forte mesmo. O vírus o deixou um fiapo de gente. Mas é gente, o caboclo
abençoado, de vida que precisa ser vivida. Estamos todos vacinados, benza Deus.
E a notícia boa é que tio Jerônimo se convenceu de que não pode ficar se
acabando na solidão. O jeito de lidar bem com ele eu aprendi: televisão a cabo,
ligada nos canais de futebol, uma dose de cana todo santo dia, e um abraço
apertado, para celebrar a vida. E assim vamos seguindo, como Deus permitir.