Lendo a América Latina, de Valdocir Trevisan

 

por Valdocir  Trevisan__


Steve Cutts


Por que o Brasil não estuda sistematicamente a América Latina?

 

E se isso já foi pior, com o atual (des)governo sucateando universidades e retirando verbas da Educação, a situação recrudesce.

 

Interessante é que 99% dos países de todo mundo estudam às Américas, enquanto no Brasil a resistência conservadora inibe a pesquisa. Na UFSC, o IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos), há 16 anos realiza cursos, palestras e seminários com a temática latina.

O professor Nildo Domingos Ourives comanda o Instituto e vocês podem ter acesso a vários conteúdos consultando o site. Em uma dessas salas, o professor propôs a tal pergunta. Ao mesmo tempo já revelava respostas interessantes, como o eurocentrismo: a mania de superioridade do europeu e do norte-americano que engole o inocente, e segue interesses do neoliberalismo e do velho, mas atual, imperialismo.

 

O Instituto reforça a necessidade de se conhecer escritores, aqueles que escrevem para latinos, como Eric Willians, Enrique Dusserl, entre outros. Dusserl, por exemplo segue uma linha de uma filosofia da libertação. Em um dos seus livros, ele questiona qual a origem de nossa cultura ocidental.

 

Logo surge a tese da filosofia grega, mas de onde vem a origem da filosofia grega? Dos egípcios, que por sua vez tem origem da, pasmem, África negra. Isso mesmo.

 

Outro problema enfrentado pelo interessado leitor latino, é nosso próprio ensino, um academicismo viciado nos mesmos autores. Evidente que não menosprezo grandes autores, gênios da literatura, mas para "ler" nossa América Latina, temos figuras ainda desconhecidas e bloqueadas, esperando para participar do debate.

 

Autores como Eric Willians que escreveu "Capitalismo e Escravidão", obra que desnuda a escravidão, uma temática que virou moda. Para o professor Nildo, trata-se de uma leitura obrigatória. Ainda não tive acesso à obra, difícil de encontrar, mas assim que tiver o livro em mãos, prometo fazer minhas considerações. Porém, apenas com as citações do mestre, me apaixonei pelas teorias do escritor argentino radicado no México.

 

Eduardo Galeano, Garcia Marques e Eric Willians podem ser o pontapé inicial para o "vivente" enxergar  a nossa América de sangue e suor. Ler e entender, pois soy latino e bolivariano.

Não podemos esquecer do mestre Darcy Ribeiro com seus processos civilizatórios e a narrativa histórica de outros olhares sobre o Brasil.

 

Eric Willians (1911/1981) que escreveu não apenas sobre a América Latina, (é também autor de várias obras sobre escravidão), disse certa vez : "não há nenhum tijolo de Manchester, cidade industrial britânica, que não tenha sangue dos escravos africanos". Por outro lado, a escravidão no novo mundo foi vermelha, branca, preta e amarela, incluindo católicos, protestantes e pagãos. Desde que ouro chegasse aos queridos reis e rainhas da Europa, estava tudo certo.

 

Os mesmos reis com seus casamentos reais que a Globo mostra e o povo acha "lindo".

 

Que a escravidão contemporânea se alimenta no capitalismo todos sabem (embora milhões neguem), a chegada dos "conquistadores" e sua expansão foi patrocinada pelos reinados. Em 1492, Colombo desembarcava com as caravelas Pinta e Nina e o navio Santa Maria. Na mesma época, Hernan Cortez massacrava a nação indígena. Os astecas são dizimados através das armas e  doenças contagiosas (sarampo, tifo, etc). A estimativa é que morreram 70 milhões de índios em 100 anos. Isso aprendemos nas escolas, mas quero ver a história com outros olhos.

 

“As veias abertas”,  de Eduardo Galeano se transformou em best seller. Não podemos esquecer do nosso genial Darcy Ribeiro. Mas quero mais, quero "ler" a América Latina de sangue suor e batalhas a partir do encontro com novos autores. Daí retorno à questão: por que nossas escolas e universidades não se aprofundam em estudos latino-americanos?

 

Há quem interessa esse menosprezo? Por que o colonialismo é pouco debatido? Por isso fico indignado quando um genocida calunia Evo Morales, vítima de um golpe na Bolívia, país que começa a normalizar sua situação e que no último mês de agosto, assistiu a ex-presidente golpista, que está presa, tentar o suicídio.

 

Enquanto isso, aqui no Brasil o genocida faz continência à bandeira dos Estados Unidos. Não me serve.

 

Desde 2016, a filósofa Márcia Tiburi participa de conferências em universidades europeias e apresenta trabalhos na Europa e nos EUA sobre esta temática. Enquanto no Brasil, nada!

 

Soy latino, sou bolivariano, luto por minhas raízes e sigo atento as referências do professor Nildo, que desnuda a modernização dos imperialistas. Essas teses relativizam nossa originalidade, reforçando modismos europeus. Para combater esse complexo de vira-lata, torna-se obrigatório a leitura de autores latinos como Eric Willians, Galeano, Bolivar Ectheverría entre outros.

 

E como já disse, se atualmente virou moda escrever sobre escravidão, o professor Nildo sugere "Capitalismo e Escravidão". Mas por enquanto vamos de Ectheverría, com um existencialismo à lá Sartre e Heidegger, com perspectivas latinas e críticas, que vai da Escola de Frankfurt ao Marxismo ortodoxo. Com participações em dezenas de congressos e vários livros, Ectheverría segue as teorias de Walter Benjamim. E aqui comprovamos os bloqueios à literatura Latina pois Ectheverría não tem nenhum livro traduzido para o português. Por quê?

 

Ele relaciona os danos da Revolução Industrial a partir de acontecimentos do século XVII. E vai além, identificando as raízes dos genocídios das civilizações e povos da América no   século XVI. Ectheverría enumera a arrogância, a epistemologia e um certo bloqueio na criatividade do indivíduo para que sigam o caminho normal do capitalismo mundial. Diante da arrogância que leva à extremos, a natureza perde espaço, "é o progresso chegando lá" (Hermes Aquino), que no final da ópera traz desencantos e a morte de Deus.

 

É também, o capitalismo mercantil impondo seus valores. Ectheverría relembra, porém, as contradições marxistas entre valor de uso com o real valor. Tais violências culturais estão embutidas no cotidiano, com repressões que achatam o já sofrido latino-americano sem parentes importantes e vindo do interior. Lembramos de Marx Weber, não é mesmo? O espírito do capitalismo onde até a religião está integrada na reprodução do capital desde os Jesuítas e as Companhias de Jesus na América do Sul. É, companheiros, o lema "Deus está acima de todos", (que não tem nenhuma relação com o Altíssimo), é slogan antigo.

 

 Vamos percebendo de onde vem os desinteresses dos pesquisadores latinos...

 

Enquanto isso, sentado em um bar com amigos, vejo na televisão  uma foto do Lula com Evo Morales e um colega fala: "olha só esses ladrões..." sem base e nenhum argumento.

 

 Acho que ele prefere ver uma foto do caçador de marajás com Pinochet ou do "mito" fazendo continência à bandeira norte-americana.

 

Afinal, como diz Onyx Lorenzoni, aquele do caixa 2 que pediu desculpas, e que recentemente apresentou documentos falsos na CPI, eles são pessoas de "bem"...

 

 


Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui