Conceição em nós, filme de Mônica Lira e Renata Pimentel

 

por Divulgação___




O documentário longa metragem "Conceição em nós" (2021) é um mergulho no tempo em várias direções: nasce calcado no presente deste ano de pandemia de Covid 19, quando nos vimos impedidos de conviver presencialmente e, mais ainda, a classe artística, cujo modo de produção sempre fora presencial e em coletividade, foi afetada drasticamente, sem poder trabalhar.


O olhar também se volta ao passado, a pedra de nascimento deste filme remonta a 2007, ano em que o Grupo Experimental de Dança (criado em 1993), de Recife, sob a direção da bailarina e coreógrafa Mônica Lira, cria o espetáculo de dança Conceição (com dramaturgia de Mônica Lira e Renata Pimentel). O trabalho estreia no Teatro de Santa Isabel, após dois anos de intensa pesquisa no Morro da Conceição, periferia extremamente populosa da zona norte da cidade, onde está a imagem da santa que dá nome ao morro e para onde seguem todo ano os devotos, na festa em celebração a esta Nossa Senhora da Conceição. A festa muda o trânsito da cidade, altera trajeto de transportes públicos, é um acontecimento ímpar no calendário local. São milhares de fiéis e devotos, pagadores de promessas que sobem as ladeiras e escadarias do morro com tijolos na cabeça, de joelhos, literalmente nadando no asfalto. É uma festa da fé, mas também é uma festa do sincretismo (Conceição é o nome da santa católica que as matrizes indígenas e africanas associam a Janaína e a Iemanjá, deusas e mães das águas do mar). É uma festa do profano e do sagrado, encontro também que revela as camadas da política de segregação e exclusões sociais e econômicas marcantes no Brasil: miséria, indigência, lixo, cores, burburinho, barulho, música, velas, bebidas e devoção.


Assim dizem os versos do poema de Renata Pimentel:


Conceição: nome de mulher, nome de santa, nome de morro


Nome de criação: concepção, e nasce a vida, nasce o som, nasce a dança...


Conceição, nome de fé.


- O que é a sua fé? 

Líquido...

Ar... 

Cimento... 

Areia...                                                                                                                                                                                                                                                                                           

 


É um dos trabalhos mais longevos do Grupo Experimental: muitas cabeças e muitos corpos dançaram Conceição ao longo de 14 anos de existência do espetáculo, que se apresentou em teatros de Recife, circulou por mais de 50 cidades do Brasil - pelo Palco Giratório / Sesc Nacional - além de países como: Argentina, Bolívia e Chile (América Latina) Portugal, Espanha e Itália (Europa); até chegarmos a este ano de 2021: em pandemia, sem ar para as/os artistas. O desmonte da cena artística no país se dá a velocidade arrasadora e vem de alguns tantos anos. Em 2018, o Grupo perdeu a sua sede, que ficava no centro da cidade, no bairro do Recife Antigo. Existir, criar e (sobre)viver como artista foi se tornando mais e mais uma (r)existência, uma luta.


O projeto inicial para este ano era que o trabalho fosse dançado no Morro, aos pés da imagem da santa. Mas as condições sanitárias impediram também essa possibilidade. Nem os pés da Santa no Morro poderiam acolher o desejo e o projeto de dançar Conceição mais uma vez, agora com um elenco totalmente feminino.


- O que é o seu chão?

 Água... céu... madeira... pedras...

Quem nos disse que o chão é plana superfície?

E em que escolhestes crer?

No que vês, no que tocas, no que sentes?

Naquilo em que acreditas, talvez?

O que são suas pernas?

Base... âncoras... muletas... asas... 




Com roteiro de Monica Lira, Rafaella Trindade e Renata Pimentel; direção de fotografia de Silvio Barreto e Daniel Bandeira e direção de Mônica Lira e Renata Pimentel
, nasce este filme. É um documento que percorre poética e politicamente a trajetória desta dança, com lapsos de tempo e de algumas vozes (foi impossível trazer absolutamente cada uma e um que já viveu este trabalho), mas é incomodada, inquieta e viva que segue Conceição em nós e aqui ela mostra de si a quem se permita experimentar. Então, segue o convite:


- Vem à festa

Mas vem devoto, ou ao menos despido de tantas certezas.

Vem com fé, sentido a mais na intersecção entre o humano e o divino.

A fé, minha amiga, é uma recuperação: reaprender a andar.

 

Outro caminho de enxergar, outro sentido de ver.

A ladeira não precisa ser apenas para subir ou descer.

O morro nem sempre é tão alto, nem tão perto do céu.

A dança é via de voo, novo modo de aprender a andar.[ii]

 



[i] Versos do poema de Renata Pimentel.

[ii] Idem.