por Alexandre Santos__
Estamos prestes a viver um
novo momento da arte.
Desde o ano passado, com
o advento da pandemia do novo coronavírus, muita coisa mudou e vem mudando
neste mundo de Deus. Basta olhar em volta para se perceber a mudança. O
guarda-roupa das pessoas introduziu a máscara na indumentária do dia-dia; o uso
dos aparelhos, aplicativos e programas de conectividade foi intensificado para movimentar
agendas de trabalho e de lazer, mobilizando pessoas que, mesmo sentindo falta do
olho-no-olho, dos beijos e dos abraços só possíveis os encontros presenciais, terminam
por admitir a comodidade e a segurança das reuniões remotas; o convívio vem
sendo desfalcado pela ausência das pessoas convertidas pelo vírus mortal em sofridas
lembranças póstumas de amigos e parentes ou em números nas frias estatísticas do
desastre; mesmo desrespeitadas por muitos, a ciência e a tecnologia deram
provas da sua capacidade de enfrentar catástrofes e de criar drogas, vacinas e
defensivos sanitários contra as ameaças; a Humanidade perdeu mais uma grande
oportunidade de dar chance à solidariedade frente ao egoísmo e os desníveis sociais
e econômicos recrudesceram, tornando ricos mais ricos e pobres mais pobres; os
lockdows, eventualmente determinados pelas autoridades, deixaram de ser
novidade, esvaziando ruas e fechando lojas. Coisas como estas se incorporaram
ao cotidiano, levando a que, com razão, muitos afirmem que, estabelecido um Novo
Normal, o mundo jamais voltará a ser como era.
Ora, se o mundo jamais
voltará a ser como era, por que a Arte continuaria a ser a mesma ou, mais
ainda, [por que] os artistas se manteriam inertes diante das mudanças,
assistindo o passar da história, como se nada estivesse acontecendo? Na
realidade, ao impor graves ameaças à vida e à liberdade - grandes motores da criatividade
artística -, a pandemia instiga os artistas, impulsionando-os a criarem novas fórmulas
e novas formas de descrever o mundo (tal como lhes parece ou como gostariam que
[ele] fosse). Aliás, o Novo Normal - que, com diferentes graus de intensidade e
de clareza, percebemos à nossa volta - compõe o caldeirão do qual emerge um novo
momento da Arte, o qual, por sua vez, o realimenta [o caldeirão], contribuindo
para embalar um movimento dialético de desenvolvimento cultural.
Não há dúvidas de que
estamos diante de um novo momento da Arte. Um momento - que, considerando a
forma abrupta e revolucionária como está ocorrendo e, sobretudo, [considerando]
a forma como artistas estão reagindo e inovando sua produção artística - marca
o início de um novo Modernismo. Neste ponto, vale a observação de que, mais do
que um estilo, o Modernismo é um comportamento - o comportamento daqueles que,
estabelecendo um marco do tipo antes-e-depois, passam a descrever o mundo de
forma inovadora, com níveis próprios de radicalidade, mas, seguramente, diferente
da forma como era feito antes. Aliás, o artista modernista não se enquadra no
regime da evolução bem-comportada observada nos tempos normais, pois,
contrariando o modelo dialético de desenvolvimento, pratica a revolução,
queimando etapas para romper com o passado (que pode ter ocorrido na véspera), provocando,
assim, significativo efeito no desenvolvimento da arte.
Ainda é cedo para
especulações sobre as características do novo momento da arte - se vai ser
saudosista para lembrar os tempos de antes da pandemia, se vai ser futurista
para antecipar o pós pandemia, [se vai ser] mórbido em reflexo às vidas
arrancadas pelo vírus, se vai homenagear a sobrevivência daqueles que escaparam
da doença, [se vai] valorizar as linguagens híbridas e dar mais destaque às
plataformas tecnológicas; tudo é possível. Certo, no entanto, é que alguma
coisa vai acontecer (e já vem acontecendo) no mundo da arte.
Na realidade, de tão
revolucionários, alguns artistas sequer esperaram pela pandemia para dar
primeiros passos nesta nova onda modernista e, antecipando os tempos (como os
artistas sempre fazem), começaram a introduzir modificações expressivas nas
formas e nas fórmulas das obras artísticas. À propósito, tenho em mãos a 2ª
edição do romance Enterro sem defunto, do experimentado escritor Daniel
Barros, publicada pela Penalux neste 2021, que, pela forma inovadora como apresenta
o enredo, o insere na vanguarda deste novo momento da arte.
Não me refiro à linguagem
ágil como Enterro sem defunto é escrito e que faz o leitor devorar o livro em
poucas leituras, [não me refiro] ao conteúdo intrigante que desperta o
interesse [do leitor] em todas as suas páginas, [não me refiro] às estocadas dadas
no modelo político e econômico que sustenta injustiças sociais, [não me refiro]
ao título instigante que prontamente leva as pessoas a imaginar possibilidades,
nem, mesmo, à capa que reflete a tensão insinuada por ele [pelo título]. Me
refiro à forma como o tema do livro é desenvolvido. Com efeito, desde o início, Enterro sem defunto se bifurca em enredos harmônicos e complementares, dispostos
em capítulos que se coleiam e intercalam, dando substância à história que
converge para um final surpreendente e que lança as bases para uma possível
continuação.
Dando um belíssimo toque
de inovação, ao contrário das obras literárias escritas no gênero Romance, na
prática, Enterro sem defunto é formado por dois livros, que se apresentam de
forma junta e misturada, relatando histórias que, embora tenham vida própria, se
articulam para formar uma única peça literária, cuja exata compreensão dependente
da leitura conjunta dos textos que a integram. Nesta perspectiva, além de ser
um grande livro, capaz de proporcionar bons momentos de entretenimento e,
mesmo, de reflexão, Enterro sem defunto é uma peça literária inovadora, que
acrescenta ingredientes importantes ao grande caldeirão no qual borbulham as ideias
de inspiração de uma nova fase da arte.
Enterro sem defunto é
um livro que se insere no movimento das novidades artísticas e coloca Daniel
Barros na vanguarda da nova onda modernista que está vindo por aí.
Daniel Barros nasceu a 4 de outubro de 1968, na cidade de Maceió, estado de Alagoas. É engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Alagoas 1992, professor da Escola Superior de Polícia do Distrito Federal e pós-graduado em segurança pública, Brasília, onde reside desde 1998. Autor de quatro romances; entre eles, Canto escuro (Penalux,2019), livro finalista no International Latino Book Awards 2020.
Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural.