Outro
dia estava eu na lotérica para pagar uma multa de trânsito. Enquanto espero na
fila, meus olhos passeiam pelos cartazes de propaganda para jogos de sorte ou informações
da Caixa. Sorrio involuntariamente ao ver uma simples folha A4, escrita à mão: Perfume
feminino. Mega promoção! Não perca essa oportunidade! Peraí! Perfume na
lotérica? Isso me lembra do dia em que descobri que as passagens de ônibus se
compram na farmácia. Mas essa é outra história...
O
senhor careca na minha frente, pelo jeito cliente frequente, recolhe suas cartelas,
se apoia na bengala e, após um "Até amanhã, linda!" para a atendente,
dirige-se lentamente à porta. Me aproximo da janelinha redonda no vidro, passo
a carta do Detran com o código de pagamento pela abertura na parte inferior do
vidro e abro a carteira. Do outro lado, sem reagir ao meu “boa tarde”, a
atendente pega o papel, passa o código embaixo do leitor, olha para a tela do
seu computador e durante um momento para de mastigar seu chiclete:
—
Não tem convênio com o Detran.
Não
entendo imediatamente que isso quer dizer.
— Ou seja... não dá para pagá-lo aqui?
— Isso.
Próximo!
O
tal do próximo me expulsa do meu lugar frente à janelinha redonda, e enquanto subo
a Dom Luís, fico dando voltas ao assunto na minha cabeça. Como assim que a
Caixa (a Caixa!) não tem convênio com o Detran (o Detran!)? Sempre paguei todas
minhas contas na lotérica; condomínio, luz, cursos, doações – qualquer
documento de pagamento, emitido por qualquer empresa ou instituição por
minúscula que fosse. Imprimir um documento e pagá-lo na lotérica mais próxima
de casa era fácil, rápido e prático. Sobretudo porque em Fortaleza existem
quase tantas lotéricas quanto farmácias. E falando em farmácias: na esquina de
casa resolvo entrar numa delas para recarregar meu passe de transporte e botar
créditos no celular.
Enquanto o vendedor digita meu CPF no sistema (nunca entendi essa obsessão com o CPF a toda hora), vou acumulando mais coisas no balcão: uma barra de chocolate, pilhas, uma amostra de biscoitos para gatos e – já que estou aqui – um picolé de graviola. No caminho de volta do freezer pro caixa lembro que na semana passada a luz do quarto queimou.
— Não tem
lâmpadas não, né?
O vendedor
me olha como se eu fosse de Marte.
— Não,
moça. Isto é uma farmácia, não uma loja de eletrônicos.
Pago
o chocolate, o picolé, os petiscos para o gato, as pilhas, o passe do ônibus e os
créditos de celular e volto à rua, balançando a cabeça. Mesmo após tantos anos,
o Brasil continua sendo um mistério.