por Rafael Silva__
Quando tomei
aquele pequeno em meus braços meu interior tornou-se silêncio. O barulho, as
vozes inquietas que vinham do buraco onde supostamente deveria estar localizado
o meu coração haviam desaparecido naquele momento. Estranhei a falta de dor, a
falta de desorientação e dispersão. Estranhei a própria falta: ausência da
ausência. Tudo estava em uma tranquilidade peculiar e nova.
Olhando-o deitado, dormindo, confiando
em mim [pois dormir nos braços de outrem é puro sinal de confiança] certo de
meus cuidados, eu me senti concluso. Nunca escolho essa palavra: “concluso”.
Não sou feito a isso. Se a seleciono, portanto, dentre tantas outras de
significados semelhantes, é porque é ela que mais se afigura ao inominável que
aqui se fez em meu peito. Concluso: como se o mundo estivesse correto; como se
não houvesse mais nada a ser retocado; como se o mínimo detalhe já tivesse sido
notado.
Aquele pequeno me transportou para um
estado de bem-viver como se o próprio espaço ao redor tivesse se transformado
em algo como o que as minhas mais belas imaginações já haviam criado do que
seria um verdadeiro lar; como se eu tivesse experimentado ad infinitum nos
curtos segundos em que ele adormeceu a realização plena da paternidade, antes
mesmo que concretamente ela se realizasse para mim. Ser pai. Será isso mesmo
que vivi? Um tipo de arroubo amoroso-paternal, uma experiência prévia e
confirmadora daquilo que por chamado íntimo me tornaria anos mais tarde?
Presenciei o fato-razão de um dejá vu posterior?
Agora, começo a compreender a falta que
um amor faz. Amor mesmo. Eu que estive em sua busca nas vivências fugidias que
a vida oferecia, tentando uma experiência que se encaixasse com essa
necessidade íntima que latejava em meu peito feito um vazio pulsante. Nada era.
Nada era isso que até então não sabia bem que nome tinha e o soube, com aquele
bebê em meu colo dizendo-me coisas que só são ditas e ouvidas no mistério que
há entre uma conversa de almas, na qual ninguém pode escutar ou interferir,
onde o próprio tempo não existe e nem o espaço. É acontecer.
A
falta que um Amor faz é uma saudade de um tempo antigo e, no entanto, sempre
vindouro de alguma coisa mais própria e originária que ficou pelo caminho no
processo de amadurecer e só quando temos esse tipo de experiência com a Vida
imediata à sua germinação é que Tudo entendemos.
No silêncio, esse da conversa de almas,
típico de um bebê adormecido e de um olhar que o aprecia, eu o ouvi, tão antigo
e sábio, sussurrando-me coisas excêntricas, algo como “uma longa viagem”,
“missão” e “és pai!”. Sei que parece esquizofrenia e não os julgo se assim
quiserem pensar, mas como posso negar uma certeza ardente que martelou meu
coração e me apeteceu a alma e até os dias de hoje me convence? Como levantar
interrogação diante de um profundo sentido subitamente fundado para minha
existência tão à esmo e dada ao desencanto? De repente, já não mais importava
minha origem ou ponto final. A existência de Deus tornou-se questão irrelevante
e a vastidão do universo insignificante. Tudo reduzido ao momento único em que
a Vida tomou sentido e respirou pela primeira vez. E então eu nasci. Se sou uma
peça no jogo de tabuleiro de Deus, deixo-o com sua vida monótona; se sou gota
no oceano cósmico, deixo o oceano com sua vastidão e fico com a pequenez
grandiosa de me sentir vivo num corpo tão esguio; se sou acidente evolutivo na
trama histórica das espécies, fico com a graça de poder pensar e sentir neste
exato momento do tempo-espaço em que eu aconteço.
Quando tomei aquele pequeno em meus
braços meu interior tornou-se silêncio. O barulho, as vozes inquietas que
vinham do buraco onde supostamente deveria estar localizado o meu coração
haviam desaparecido naquele momento. Estranhei a falta de dor, a falta de
desorientação e dispersão. Estranhei a própria falta: ausência da ausência.
Tudo estava em uma tranquilidade peculiar e nova. Pude ouvir as batidas que
vinham do lugar onde supostamente está localizado o meu coração. Estranhei o
pulsar, estranhei a vibração e a força percorrendo minhas veias. Estranhei
estar vivo. Tudo repousava em uma tranquilidade peculiar e nova. Um bebê que
dorme é um mistério.
Rafael Silva - Jovem escritor sem gênero literário fixo. Escreve o que der na telha. Se quebrar o teto e rachar as paredes: é texto na certa. Metido a cantor. E essas coisas que faço por pura necessidade e amor me definem bem mais que as oficialidades de ser psicólogo, pós-graduando e outras convencionalidades dessas aí. Do Bom Jardim, Fortaleza/Ce. Filho de Virgínia e Wagner e neto de tantas avós e avôs.