Cinco poemas de Fátima Farias

 por Fátima Farias

 


Foto: Ian Kiragu




Sobre Pedras

 

No meio do caminho

não haviam Pedras

tudo era límpido

estrada sem fim

alguns galhos secos

 

Uns que outros grilos esquilos

até formigas

pedra alguma

apenas caminho

 

Lá bem no fim

um facho de luz

anunciava o começo do dia

sem pedras no caminho

Tudo era Poesia.

 

 

 

Nesse Estado

 

Bom viver

em Estado de poesia

cidade

vilarejo

país

eu sempre quis

aceitei poesia

sonhei ser poeta

em rabiscos comuns

papel pardo como algumas peles 

guardanapos de papel

panos de prato

palma da mão

em todo lugar

 

sempre vivi a Poesia

inclusive a fome que avança

alivia com as palavras

 na falta a de pão

versos

 

na hora da morte

versos

a poeta poetiza

pois precisa segurar o choro

 

Poetiza "poeteia"

como aranha cria casa

escreve sonha

concretiza

usa e abusa

cria asa

 

realiza

organiza

nas páginas de um livro Vivo.

 

 

 

Cores e Dores

 

Adoro combinar

flores

dores

amores que não deram certo

colares

argolas

missangas

figas de Guiné

penduricalhos

alhos

bugalhos

ensinamentos centenários

jaquetas

casacos

blusas

 

Adoro revirar o armário

doar aos pedacinhos

espalhar o pouco que sei

e depois

voltar para casa extasiada

com a bagagem carregada 

do que aprendi pelos caminhos

andei e andarei

aprendiz sempre serei.

 


 

 Mulher Preta

 

Mulher Preta

te agiganta

solta as rédeas

te liberta de culpas não tuas

não tema as ruas curvadas

que transitam em ti

não seja tua própria presa

te desculpe

nenhuma nudez será castigada

 

Mulher Preta

te livre das amarras

impostas por teu algoz

é teu o Axé de fala

perca o medo

solte a voz

por mim

por ti

por nós

 

Mulher Preta

deusa da rua

do lar

do mundo

mundo imundo que te rejeita

o mesmo que se sustenta

a partir de ti

de outras como tu

conservadas na base da base

abaixo da sola dos pés

 

Mulher Preta

Negra Mulher

és a luz

que ilumina outras

és quem te segue

e ainda crê

és tudo de bom

a sociedade não quer ver

pois acha que tu

por ser Preta

nada além de escravizada

pode ser.

 

 

 

Absolutamente não

 

não somos irmãos

se a bala perdida

tem só uma direção

tá lá

mais um corpo Negro

estendido no chão.

 




Fátima Regina Gomes Farias
nasceu em Bagé em 23 de outubro de 1959 tem dois filhos e três netos. Reside em Porto Alegre na Zona leste  Bom Jesus.Tem projetos literários como a Geladeiroteca da Bonja que tem o objetivo de espalhar livros e histórias para jovens e  crianças no sentido de valorizar a educação arte e cultura. Participa de projetos em escolas entre eles Adote um escritor Smed. É profissional da gastronomia, está atenta e sonha com mudanças através da Palavra dita com verdade e convicção. Escritora poeta e compositora tem obras publicadas em coletâneas e lançou seu primeiro livro Solo Mel e Dendê pela editora Libretos em março de 2020.