por Taciana Oliveira__
Entrevistamos o escritor e dramaturgo Alexsandro Souto Maior. Na pauta o seu trabalho mais recente, o livro de contos Inglórios.
1 – O escritor mineiro João Guimarães Rosa, pontuava: “Não preciso
inventar contos, eles vêm a mim, me obrigam a escrevê-los. Isto me acontece de
forma tão consequente e inevitável que às vezes quase acredito que eu mesmo,
João, sou um conto contado por mim mesmo. É tão imperativo…” Quando
você se percebeu escritor e de que maneira a tua produção literária em
“Inglórios” reverbera em uma prática política?
O mesmo Guimarães Rosa também é autor da
frase: “narrar é resistir.” Sinto que talvez, inconscientemente, tenho
incorporado essa máxima na minha vida. Desde criança, para mim, a escrita era
brinquedo meu. Eu possuía um caderninho e escrevia histórias ali. A certeza
sempre foi a de que o ato de escrever me acompanharia por toda a vida. Na adolescência,
quando passei a escrever poemas, passei a mostrá-los para algumas pessoas,
entre elas o saudoso Mario Souto Maior, folclorista e escritor. Ao ler os
poemas, ele me desencorajou a continuar escrevendo, ele queria me testar(risos).
Eu não parei de escrever. Um ano depois, Mario me telefona, chamando-me de poeta
e me pedindo para pegar exemplares do jornal O pão, jornal literário de
produção lusófona, ele circulava em vários países falantes da nossa língua.
Além dele, outros poemas meus saíram em o Diário do Nordeste, do Ceará. Meus
poemas foram publicados, primeiramente, nesses periódicos, em 1997. Aquilo só
veio me dar ainda mais fôlego para o meu ofício. Quanto à produção de
Inglórios, para mim, escrever já é um ato político. Provindo da periferia de
Olinda, envolvido com movimentos sociais e partidários, enxergando tantas
invisibilidades... calar me pareceria contraditório. Daí perceber que é também da literatura o
papel de cutucar as feridas abertas do nosso lugar, do nosso estar. Inglórios é
um desejo oportuno para abrir um diálogo com o nosso tempo, retratar os
desvalidos, dar voz aos mesmos.
2 – Em “Inglórios” é possível reconhecer no desenvolvimento da
obra um diálogo entre ficcional e a história. Que personagens você destacaria
nesse universo de 12 contos que compõem o livro?
Eu já
destacaria o conto homônimo. Inglórios é um conto que narra, ficcionalmente, as
últimas horas dos quatro moradores do Arraial de Canudos, os últimos que não se
renderam. A Guerra de Canudos sempre me incomodou bastante quer pelos números
de morte quer pela manipulação dos fatos. Saber que vinte e cinco mil
brasileiros tiveram suas vidas ceifadas é estarrecedor. Nossos “absurdos
gloriosos” também perpassam pela Confederação do Equador, um fato histórico que
fez do frei Caneca uma persona a ser
estudada. Daí surge o personagem cego que admirava os discursos de Caneca, isso
ocorre no conto Toda a Via Crucis é
Bendita. Parece-me urgente reacender
nossos fatos históricos. Em Inglórios, a literatura não se afasta do seu papel
estético, mas também não dispensa, ainda que ínfima, a possibilidade de refutar
narrativas infundadas e carentes de argumentos sólidos.
3 – A pandemia influenciou
ou acelerou de alguma maneira a publicação de “Inglórios”?
Penso que
as duas coisas. Há contos que surgiram há mais de quatro anos. Porém a maioria
foi escrita durante a pandemia mesmo. Havia uma necessidade de tratar de temas
que brotavam do agora e para o agora deveria se destinar. Não titubeei.
4 - A ilustração da
capa é assinada pelo ator Irandhir Santos. Como surgiu o convite para a
participação do artista?
Conheço Irandhir há um bom tempo. Sempre fui um
admirador do seu trabalho. Em meados deste ano, ele postou uma série de
desenhos em uma rede social. O que eu sabia, e era pouco, era que Irandhir
usava desenhos para o seu processo de estudo de personagens. Mas ali estava algo
para além de estudo de personagem. Fiquei encantado com o desenho que seria o
da capa e revelei a ele o meu desejo de ver aquela obra na capa de Inglórios.
Irandhir foi bem generoso e cedeu a obra. Descobrir o Irandhir artista visual
foi uma grata surpresa.
5 – Você
transita em diversos gêneros artísticos. Fala um pouco sobre sua trajetória
no teatro e na poesia. Que nomes você citaria como emblemáticos para tua
formação artística?
Comecei a
fazer teatro em 1995. No mesmo período, começava a escrever com bastante
intensidade. Sempre me permiti ser o máximo que posso e necessito. A escrita, primeiramente,
convidou o teatro, e o teatro me fez visitar outros gêneros. Em 2001, comecei a
escrever texto dramatúrgico. Era uma adaptação do conto O terceiro dia, de
Guimarães Rosa. Era o início do Grupo Engenho de Teatro, um grupo que teve a
estética Roseana um norte para se aplicar no teatro. Nascia ali uma busca pela
ressignificação da linguagem teatral. Então, Guimarães Rosa é uma das
principais referências. Some a ele outros nomes como Bertold Brecht, no teatro,
Osman Lins e Manoel de Barros na literatura.
6 - No
conto Cinco Pedras, um dos textos que inspiram o espetáculo filmado “Fábula das
Pedras”, você escreve: Somos feitos de verbo e de memórias. Durante a
quarentena os profissionais de teatro foram obrigados a criar experiências
cênicas que se multiplicaram em exibições online. Como foi pra você essa nova
relação com o público? Um divisor de águas na dramaturgia? O que permanecerá
como proposta para o futuro?
Quem faz
teatro é, naturalmente, inquieto pela busca do público. Claro que foi
limitante. A presença me é muito cara. No entanto, essa foi a condição nos dada
para o nosso ofício resistir. Não diria que esse fato tenha sido um divisor de
águas. O texto, em muitos casos, tornou-se até mais descritivo, com uma
familiaridade maior com um roteiro de cinema, por exemplo. Foi o que percebi na
experiência com Fábula das Pedras. Mas as experiências dramatúrgicas hoje são
muito diversas. Basta ver a feitura do texto colaborativo ou a presença de um
dramaturgista a estimular e coordenar o processo de escrita de um texto para o
teatro. Além disso, a riqueza é tanta que se vê o épico, o lírico, o biográfico
e o narrativo transitarem com mais frequência pelos palcos. Então, a dramaturgia já vinha muito diversa
antes da pandemia. Penso que a pluralidade de mídias e de exibição no fazer
teatral é um diálogo que veio para ficar.
7 – No
cenário atual assistimos ao desmonte de políticas públicas, a demonização da
classe artística e desconstrução calculada dos fomentos culturais. O que você
diria para os muitos artistas que ainda defendem o que não tem defesa nem nunca
terá?
O
espírito questionador, reflexivo e até subversivo sempre nos foi comum e
histórico. O que me espanta é a falta de compreensão de classe e de conhecimento
da realidade caótica em que estamos mergulhados, por parte de poucos e
barulhentos artistas. Que o tempo revele para eles que as paixões, assim como
os governos, são bem passageiras.
Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…