por Taciana
Oliveira__
Dia
Nobre, escritora cearense, conversou com a Mirada sobre o seu livro “No útero não existe gravidade” (Editora Penalux). Na entrevista ela declara: a narrativa é uma invenção. eu não estou confessando nada.
1 -
Você destaca que seu livro “é uma obra que não se encaixa em nenhuma definição
de gênero literário”. Fala um pouco do teu processo de criação. Quando e como nasce “No
útero não existe gravidade”?
eu gosto de brincar com as possibilidades.
o livro abriga textos que trazem memórias. fragmentos de lembranças que se
reúnem e tentam criar uma narrativa. se nos atermos à forma, poderia ser um
livro de contos; se nos atemos à minha intenção, pode ser uma novela sobre uma
menina que foi abandonada pela mãe; se olhamos com sensibilidade, pode ser um
livro de poemas.
quando eu comecei a escrevê-lo, queria
mesmo era dar forma às memórias, colocar em palavras o que me incomodava como
uma pedra no sapato, uma farpa dentro da unha. foram três meses de escrita durante
a pandemia, isolada do mundo. para mim, a escrita parte sempre de um incômodo.
é uma forma de transformar a dor em potência criativa.
meus incômodos se resumem a pequenas
obsessões que me acompanham já há algum tempo: as relações entre mães e filhas;
o abandono; a solidão; o lugar do meu corpo no mundo. não procuro resolver
essas questões, isso me parece algo impossível de ser feito, mas refletir sobre
elas sempre me traz experiências novas e possibilidades de autoconhecimento.
2 –
Podemos considerar que “No útero não existe gravidade” é uma obra de
autoficção?
acho que sim. mas é preciso ter cuidado.
os leitores sempre pensam que se um livro é
autoficção, ele necessariamente, fala a verdade sobre o que aconteceu. como
escritora e historiadora, devo dizer que nem a literatura, nem a História, são
espelhos da realidade.
a
narrativa é uma invenção. eu não estou confessando nada.
o que eu faço é esgarçar a memória.
trabalho no espaço-entre as lembranças e os esquecimentos, meus e de outras
pessoas. invento histórias para mim mesma. eu não sou a personagem do meu
livro, mas ela é parte de mim porque enquanto narradora eu a construo no texto.
3 –
Quais nomes você destacaria como importantes para tua formação literária? Que
livros ou autores te inspiraram ao movimento da escrita?
muitas mulheres fecundaram o meu espaço de
experiência.
ana cristina césar, clarice lispector,
virginia woolf, sylvia plath, conceição evaristo, toni morrison, isabel
allende, carson mccullers, elena ferrante, jarid arraes, monique malcher, para
citar algumas.
elas me apontam para um horizonte repleto
de expectativas.
4 –
Como você definiria “No útero não existe gravidade”? tomando como referência questões de ousadia
narrativa e estrutural?
essa é uma pergunta muito difícil.
não sei bem definir o livro ou o que as
leitoras e leitores podem esperar ao me lerem. não gosto de gerar expectativas
que podem ser frustradas, mas posso assegurar que encontrarão honestidade, algo
de paixão e muitos sonhos e devaneios.
5 – Na
obra você aborda temas como abuso sexual, assédio, automutilação e depressão.
Que dificuldades que você encontrou para produzir uma obra com temas tão
fortes?
acho que as dificuldades foram,
principalmente, mentais. estes são temas que trabalho na minha terapia e
escrever sobre eles gerou um esforço e um gasto energético muito grande. tanto
que nunca consegui ler o livro depois de impresso.
no entanto, espero com a minha experiência,
poder ajudar outras mulheres que tenham passado por coisas parecidas. o livro
foi meu espaço de elaboração do sofrimento. agora ele não é mais meu, é das
leitoras e leitores.
Trecho do livro “No útero não existe gravidade” :
minha
avó
costumava dizer que o único filho que poderia ter tido algum futuro na vida,
morreu três meses após nascido. tinha pele-clara-e-olhos-azuis como os dela. pequeno
como uma banana colhida fora de época e gordas bochechas de maçã. deu seu
último suspiro com a tranquilidade de quem se livrou de um grande karma.
Taciana
Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo
Editorial Mirada. Cineasta e
comunicóloga. I'm dancing barefoot heading for a spin. Some
strange music draws me in…