por Adriano Espíndola Santos__
Jr Korpa |
Chafurdei
as roupas de Ludmila, determinado. Não havia “esconderijos” ou segredos entre
nós. Mas o fiz sem autorização. Concordávamos em respeitar as nossas
independências. Não posso culpar o desespero e a insanidade; eu não tinha o
direito. Sei que errei. Passei do ponto inúmeras vezes. Eu queria, a fina
força, entender o seu desinteresse sobre a nossa vida, sobre mim. Claro, devia
ter pesado o fato de estar cansada, atordoada com o monte de trabalho que
recebeu na Santa Casa. Enfermeira chefe do setor de Covid. Quando ela chegava
dos plantões, ia direto para o banho e para o quarto social – nada de cama
compartilhada, “por segurança”, dizia. Desde o segundo semestre de 2020 nos
víamos pouquíssimo. Estávamos, cada qual, com os nossos inúmeros problemas. E
eu, pretensiosamente, achava que os meus eram maiores que os seus. Eu cuidava
da gestão de uma imobiliária. Mais de cinquenta por cento dos inquilinos ou se
recusavam a pagar, ou pediam descontos absurdos. A pressão de meu chefe era
para manter, pelo menos, o índice atual e tentar ao máximo negociar, para que
não desocupassem os imóveis. Ele dizia: “Imagina, Agenor, o caos que seria se
tivéssemos de dar conta de trezentos imóveis desocupados ao mesmo tempo?!”.
Sim, a situação era drástica; contávamos, no auge da pandemia, com uma perda de
até vinte por cento das locações. Isso era impensável. O chefe falava,
gritando, que era o final dos tempos. Que precisava de mim “100%”, ou tudo iria
para o beleléu. Havia proprietários, imagine, que não queriam dar um tostão de
desconto, porque o inquilino “tinha de aprender na marra!”. Aprender o que,
cara pálida? Foda-se. Os meus nervos estavam saindo pelos poros. Tive várias
lesões cutâneas que mais pareciam reações da Covid. Fiz doze testes, desde o
começo da pandemia. Somente um revelou que eu estava com Covid. Ludmila não
pôde cuidar de mim, e eu, no extremo da loucura, falei que ela estava mais
preocupada com os seus pacientes; que devia estar de “casinho” com um desses
coitadinhos. Pra quê?! Ela se mudou para o apartamento da mãe, argumentando que
não tinha tempo para homem idiota e canalha. Qual foi a razão de minha dúvida?
Uma máscara preta enfiada no meio de suas roupas. Ela nunca teve uma máscara
“preta”; as do hospital eram sempre de cor clara: branca, azul bebê, rosa etc.
Nunca “preta”. Achei que havia recebido de lembrança de algum sujeitinho.
Quando ela chegou de um plantão, numa sexta pela manhã, exausta, qual foi a
minha ideia? Bom, cansada ela não iria perder tempo e ia esmiuçar tintim por
tintim sobre o seu caso. Ao contrário, quando questionei a máscara nas suas
coisas, ela pegou e quase enfiou na minha goela, para eu morrer sufocado; para
aliviar o trabalho da Covid, decerto. Além de “Você é louco!”, não disse mais
nada. Pegou as suas roupas e pertences, o que deu, e enfiou numa mala, saindo às
pressas, para não ver mais a minha cara. A verdade é que estamos todos loucos;
uns mais, outros menos. Digo aos meus amigos que cheguei ao terço natural da loucura,
a que tinha como cota. Não, a verdade é que extrapolei. Estou com um déficit de
dois terços de prejuízo, na vida, no meu casamento. Ligo insistentemente para
Ludmila, e acho que ela, de fato, enjoou de mim. Ou será que a Covid corroeu as
minhas entranhas cerebrais. Por via das dúvidas, deixei uma linda mensagem na
sua caixa de e-mail, pedindo, entre outras coisas, para perdoar a minha
insensatez. Não vejo a hora de ela arrebentar o tempo e tomar de novo o seu
lugar. Se fui fanático, estúpido, que sejamos uma só insanidade, sem fração.