por Taciana Oliveira__
Conversei
com a autora de O Diálogo (Editora Penalux), Luizza Milczanowski. Natural
do Rio de Janeiro, ela nos conta: Toda
a minha infância foi permeada pela ficção. Criar faz parte desse processo de
elaborar o mundo.
1 - Como
você descreveria o perfil psicológico da personagem principal do seu primeiro
livro, “O Diálogo”?
Minha personagem é uma mulher atravessada pelo
esgotamento, alguém que se encontra na borda do intolerável. Uma mulher que
olha para trás e para si e tenta compreender quando se deu o rompimento de sua
vida, como ela veio a ser quem é naquele momento, com suas escolhas tão
frustradas e um passado imerso em um espaço indefinível de dor, que agora ela
busca ressignificar para seguir vivendo. Espero mesmo que ela consiga.
2 – Na sua obra há uma costura entre a memória e
o esquecimento onde o “O diálogo continua naquilo que não é dito”. Quando e como você se dá conta que o seu
processo criativo tomava corpo para a produção de uma estrutura narrativa que
caberia em um romance?
Acredito que quando me vi escrevendo diferentes
narrativas curtas sobre essa mesma personagem e seus duplos. Não me lembro
exatamente quando ou como, mas em determinado momento senti que precisava dar
contornos a essa história que apenas seriam contemplados em uma narrativa
longa. Escrevi um livro anterior, cuja narrativa é um fantasma do Diálogo. A
essência estava ali, mas a história era outra. Chama-se “Tudo ainda
intolerável”. É um título que gosto muito, porque comporta essa
insuportabilidade que envolve o Diálogo, uma fina camada de pó translúcido. Mas
desisti de publicar essa história e comecei do zero, no ano seguinte, com O
Diálogo. No início, quando percebi o fôlego (emocional também) que aquele
narrador me exigia, eu pensei que não teria forças para continuar. Mas
continuei.
3 – Quem é
Luizza Milczanowski? Quando ela se descobre
como escritora?
Toda a minha infância foi permeada pela ficção.
Criar faz parte desse processo de elaborar o mundo. Eu era muito criativa e
preferia brincar sozinha, inventando minhas histórias, meus personagens. Desenhava
minhas narrativas. Andava pela casa imitando trejeitos e falas. Era muito
teatral, abrindo os braços e interpretando um CD com histórias infantis que eu
ouvia sem parar. Por isso, penso, alguém teve a ideia de me colocar no teatro com
sete ou oito anos. Quando fui alfabetizada, comecei a escrever, mas a escrita
já vivia em mim. O que me sedimentou como essa pessoa que desejava mais do que
tudo escrever foram os livros. A literatura se tornou minha prioridade, minha
solidão, meu mistério, meu motivo primeiro. Aos treze anos, lia com facilidade mais
de cem livros por ano. Mas, naquela época, percebi que, antes mesmo de ler, eu
precisava viver para escrever. Viver se tornou um motivo para escrever. Uma
obsessão, uma necessidade e um vício. Um amor que quase me constrange. Essa sou
eu.
4 - Em “O Diálogo” o personagem masculino enxerga
na protagonista uma menina que “ele resgatou, negligenciada por uma família
terrível e abusiva”. Ele não se percebe como um abusador. Você acredita que esses personagens despertem
uma identificação com a realidade de alguns de seus leitores?
Eu diria que sim. Todos temos a necessidade de
dar sentido ao nosso mundo e naturalizar os acontecimentos é uma forma de
torná-los suportáveis. A menina, por exemplo, precisa disso por muito tempo para
sobreviver. É um mecanismo de defesa. Leonardo C., por outro lado, precisa
fazê-lo para continuar a perpetrar seus atos de violência. Ele sabe quem é,
sabe o que faz, mas precisa criar um engodo para si mesmo e para os outros,
precisa ter uma justificativa que o isente da culpa.
5 – No seu livro morte, memória e autoconhecimento se entrelaçam no caos. A escritora e poeta Alexandra Vieira Almeida ao resenhar “O diálogo”, destaca: Qual a verdadeira identidade que se cria nesse dito e não dito? No diálogo e no silêncio? Como você responderia essas perguntas?
Acho que não
responderia, para ser sincera. É esse limiar que busco explorar, dentre outras
coisas, no Diálogo. Essas refrações intangíveis. Eu só lanço as perguntas, não
tento dar respostas. Tenho mais interesse em entender como esses
questionamentos se fazem no corpo de cada leitor. Tudo que eu precisava dizer
está dito no Diálogo. Estou dizendo isso porque, às vezes, levamos muito a
sério o que o escritor pensa do próprio livro, quando a obra vai além disso. Aprendo
tanto sobre O Diálogo com os leitores, com resenhas tão cuidadosas e
elaboradas. Claro que temos de nos atentar ao que uma obra não diz, mas,
fora isso, a beleza está em elaborar diversas perspectivas sobre uma mesma
história.
Trecho do livro "O Diálogo":
No final, essa conversa não existe,
faz parte de si. Seu interlocutor está morto. Está morto. Toda a dimensão do
não dito ficou selada em sua morte. Tudo o que não disse não tem mais opção de
dizer. Com sua morte, morre o segredo. Com sua morte, nasce a voz que agora a
permite dizer. Seu segredo – que pertencia a dois e agora pertence somente a si
–, se dito, traria muita violência.
A verdade de sua vida doeria. Doeria
e traria violência voltada contra si. Ia cutucar muitas feridas de muitas
gentes.
Agora, com essa morte, está
preparada para fazer doer e para essa violência. Sabe que precisa ser dito.
Quer dizer há tanto tempo, mas sabe que o que tem a dizer é destruição. Haverá
muita dor e raiva; será o anticristo, a desordem, a vergonha e o ódio. Será dizer
adeus a todos que, com suas verdades escancaradas, a odiarão. Aprendeu a
guardar a vida – sua verdade - em si. O material é denso e incômodo. É
insuportável. É ferida de ferir gente. Todos querem que ela não diga.
Mas essa morte é um sinal para que
diga. Suas memórias de escarro, de sangue, de nódoas.
O que é essa morte?
É o fim de um diálogo impossível.
Vinte e um anos. Vinte e um anos ensaia um diálogo interrompido por essa morte
- um diálogo que, à espera ao longo de vinte e um anos, nunca ocorrerá.
Nunca haverá esse diálogo e é dessa
perda que precisa para ter forças para abrir feridas e criar seu próprio
diálogo com o passado, com a dor, com as memórias. Não tem ninguém para cuidar
de si.
Taciana Oliveira – Editora das revistas
Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta
e comunicóloga. I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws
me in…