por Taciana Oliveira__
A Biblioteca
Madrinha Lua é um projeto criado pela Editora Peirópolis. Entrevistamos
a escritora e professora Ana Elisa Ribeiro, coordenadora da coleção que
homenageia a poeta mineira Henriqueta Lisboa.
1 -
Como surgiu a proposta de criar a Biblioteca Madrinha Lua?
A
Biblioteca Madrinha Lua era um desejo da Renata Farhat Borges, editora
da Peirópolis, essa casa já experiente, que havia lançado a obra
completa da poeta mineira Henriqueta Lisboa um pouco antes da pandemia. São
três volumes grandes dentro de uma caixa maravilhosa. Isso inspirou a Renata a
conceber uma coleção de livros de poesia contemporânea brasileira escrita por
autoras de destaque na cena. Madrinha Lua é o nome de um dos livros da Henriqueta
Lisboa, nos anos 1950. A ideia era, sob essa Lua, reunir as poetas em
livros que compusessem uma coleção. À medida que o projeto foi se constituindo,
a ideia de coleção foi se ampliando e Renata resolveu chamar de Biblioteca,
porque a ideia é sempre caber mais livros. Nosso papo vinha de longe, pois
lancei uns livros acadêmicos pela Peirópolis ali por 2009. Daí, em 2020, Renata
me contou da sua vontade e me convidou a coordenar essa biblioteca fantástica.
Não pode haver nada mais bonito do que isso. Sou poeta e sou editora, é uma
enorme alegria realizar essa ideia da Renata, junto com ela. Chamamos a
Gabriela Araújo, designer pernambucana, e demos forma ao desejo.
2 – Quais
nomes participam do projeto e como se deu a seleção?
Por
enquanto temos oito poetas convidadas que enviaram seus originais. Quatro já
estão lançados: Líria Porto (mineira de Araxá), Regina Azevedo
(potiguar de Natal), Adriane Garcia (mineira de Belo Horizonte) e Lubi
Prates (paulistana). Cada uma com sua voz singular, com sua poesia forte, a
seu modo. Os próximos quatro, que já estão sendo trabalhados, são de Amanda
Ribeiro (mineira de BH), Fernanda Bastos (gaúcha), Marília Floôr
Kosby (gaúcha) e Mariana Ianelli (paulistana). Fui no rastro dessas
poetas porque elas já se destacam na cena brasileira há vários anos, na maioria
dos casos. Não conheço todas pessoalmente, mas conheço seus versos, daqui e
dali. Há experiências diversas nessa coleção: Amanda é quase debutante em
livros, enquanto Adriane ou Líria ou Mariana têm vários livros cada uma. Há uma
diferença de idade de coisa de meio século entre Líria e Regina, e elas têm
forças absolutamente impressionantes, contemporâneas, ferozes. Estamos tentando
captar poetas que já ecoam e, ao mesmo tempo, preocupadas com as diferenças, um
vozerio em camadas, um conjunto que seja representativo, inclusive
geograficamente. Seguiremos. Tenho uma enorme lista de convites, para o caso de
esta biblioteca crescer e crescer.
3 – De
que forma você destacaria a atuação de Henriqueta Lisboa na literatura
brasileira
Henriqueta
Lisboa é bem menos conhecida do que deveria e do que gostaríamos.
Foi uma poeta persistente, publicou vários livros, foi tradutora, professora,
ensaísta, ativa em suas redes intelectuais, trocou cartas com outros e outras
poetas (cartas caudalosas com Mário de Andrade, por exemplo, ou com as
amigas Cecília Meireles e Lúcia Machado de Almeida). É uma poeta
consciente do seu esforço e dos silêncios ao redor. No mínimo, teve importância
por estar na cena em meados do século XX, quando tudo podia ser mais difícil
para uma escritora. Além disso, foi poeta de versos impressionantes, livros de
lirismo e força. Infelizmente, nem sempre é lembrada ou notada, mas isso vem
sendo corrigido, por exemplo, com a reedição de sua obra.
4 –
Como você percebe o aumento da participação feminina na produção literária nos
últimos tempos?
Percebo
como uma consequência de muitos fatores: mudanças sociais, tecnológicas,
represamentos, portas forçadas que se abrem finalmente. Não é algo “natural”,
nem uma dádiva. É efeito dos estudos, da consciência (feminista, mesmo quando
não se é feminista de carteirinha), de um jogo mais duro por parte delas e de
uma percepção de que é preciso estar em muitas posições, inclusive de críticas,
pesquisadoras, editoras, isto é, produzir e fazer circular. Mulheres sempre
produziram seus textos, mas não participavam socialmente das trocas
intelectuais ou quase não o faziam, muitas vezes deliberadamente impedidas
mesmo. Estamos falando aí de cerca de 40 ou 50 anos. Não é pouco. Mas há
grandes diferenças no cenário de lá para cá. E não houve qualquer piedade aqui
e ali; a mudança é conquistada; e precisa ser cultivada.
5 - A
poesia é ainda o gênero literário que reverbera na consciência de todos nós?
A
poesia não é o gênero preferido das editoras, em especial das grandes e que
aprenderam a fazer comércio. As editoras pequenas cumprem um papel importante
publicando poesia, mesmo que percebam que provavelmente não crescerão por isso,
em termos econômicos, se é que querem crescer. Podem muito bem não querer. Outros
tipos de editoras também cumprem bem o papel de manter a publicação de poesia,
como as ligadas ao Estado, temos algumas no Brasil. Publicar poesia, no
entanto, costuma ser um jogo de capitais simbólicos. É importante ter dois ou
três grandes poetas no catálogo. Poesia, por incrível que pareça, prestigia. A
poesia está em tudo e em todos nós. Ela tem um poder de circular descolada dos
livros que outros gêneros não têm. Ela praticamente é borrifada no ar. A poesia
chega, passa de mão em mão, cai nos ouvidos, eventualmente no gosto. Ela pode
ser falada de um jeito que nada mais pode. A poesia captura, conquista, é
cirúrgica. Ela até prescinde dos livros, porque muita gente conhece um poeta,
uma poeta, sem nunca tê-los lido ou até sem que eles/elas sequer tenham livros
publicados; sabe um ou dois versos, sem saber de que livro são. Há poetas que
são entidades, para além dos currículos, da imprensa, dos festivais, da
crítica. É dificílimo chegar a isso, claro, mas a poesia chega. A prosa, em
alguns casos, também, mas não é mais questão de verso, é de parágrafo, exceto
para um João Guimarães Rosa, que sabia fazer as duas coisas numa só. A poesia
ocupa, mesmo se a pessoa nem nota. Por isso a iniciativa da Peirópolis me
encantou tanto. Ela é corajosa, consciente, necessária, em especial para reunir
a poesia de mulheres, torná-las menos esparsas. Ignorar um folião sozinho é
diferente de não ver passar o bloco. E haverá, claro, quem faça questão de não
ver. Mas ele está aí.
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Taciana
Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo
Editorial Mirada. Cineasta e
comunicóloga. I'm dancing barefoot heading for a spin. Some
strange music draws me in…