Jenipará, de Graziela Brum


por Adriane Garcia__

 

 


 

Jenipará, romance de Graziela Brum, traz como cenário a floresta amazônica e conta a história de fundação de uma cidade fictícia, cujo nome dá título ao livro. Para o vilarejo, que mais tarde será a cidade de Jenipará, confluem habitantes expulsos de outras localidades da floresta, seja pelo desmatamento, pelo confronto direto com posseiros e políticos corruptos, pelas queimadas, pela implantação da pecuária, que destrói as economias locais, ou pela miséria. Situada à beira de um rio chamado Jarurema, até chegarmos em Jenipará, acompanharemos personagens cujas vozes compõem um retrato da dura realidade vivida pelos povos da floresta, cada vez mais acossados e violentados pelas forças do capital, o que inclui o assassinato de lideranças e comunidades inteiras.

 

De início, Graziela Brum nos apresenta Joane, a ribeirinha, empregada doméstica da casa dos Lima, grávida de nove meses em seu caminho por dentro da mata, a fim de chegar em casa. Joane leva o amor por Zé Bidela e os ensinamentos de tia Dulcineia, a parteira. Acompanhando Joane, conhecemos Zé Bidela e a história de sua família no seringal Baldaceiro, uma história de resistência e de fuga, pois as forças contrárias à floresta parecem não ter fim. É assim, entre os seringueiros de produção sustentável e tribos indígenas, entre mulheres que conservam os saberes da terra e da manutenção de suas comunidades, que a leitura de Jenipará nos revela também os grandes depósitos de máquinas e motosserras, enquanto ouvimos a rádio local tocando o carimbó e um passarinho perdido, desorientado pela fumaça ininterrupta.

 

Jenipará utiliza várias vozes narrativas, dando dinamismo à leitura. Na fumaça que queima a floresta, por vezes sentimos uma claustrofobia, sabemos que a floresta não está queimando somente de forma fictícia. São momentos de morte que a autora salva com momentos de vida. Instantes em que habilmente nos sintoniza com a rádio Tapajós 81 FM e nos faz ouvir a deliciosa Dona Onete e encontrar poetas contemporâneas como Katia Marchese, Yara Darin, Rosana Banharoli e Wanda Monteiro. Com um equilíbrio entre a contundência realista e o lirismo que abarca mitos, peixes, pedras, árvores, comidas, hábitos, aves, Graziela Brum nos entrega um romance comovente, ao mesmo tempo em que faz denúncia política. Quando terminei a leitura, fui pesquisar sobre um dos narradores, o passarinho capitão do mato. Ouvi emocionada o seu canto cricrió... cricrió... cricrió...

 

Estranho ver o pai assim. Meu irmão Chico quis chamá-lo para pescar no rio, mas a mãe não deixou. Mandou ele pegar o prato de boia e comer quieto no canto da cozinha. Que deixasse o pai em paz. Chico começou a chorar, era muito jovem ainda, não conseguia entender o que o pai pretendia. Na verdade, nem a mãe, nem eu sabíamos o que se passava com ele. A gente imaginava que era coisa de decisão, que ele buscava resposta nos espíritos da mata. Quem sabe o pai tivesse enlouquecido, era difícil de acreditar. Ele era o líder do povoado, sabia sempre o que fazer, aconselhava a plantar no roçado, a quebrar as castanhas nas pedras para não faltar o que comer na temporada de chuvas. Sempre teve ideia. Quando a noite se aprochegou, o pai voltou para casa. Ainda calado, tomou um banho, se arrumou e depois sentou ao redor da mesa para o jantar. Comeu com fartura, enquanto a gente em silêncio esperava uma palavra dele. Então o pai nos disse:

— “É preciso a guerra, o Padre que perdoe a gente.”

 

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Jenipará

Graziela Brum

Romance

Ed. Reformatório

2019







Graziela Brum é escritora, poeta e radialista. Idealizou o projeto literário Senhoras Obscenas, o qual, em três livros/antologias, organizou e publicou mais de 200 mulheres poetas e prosadoras no Brasil e exterior. Comanda o Podcast de Criatividade e Literatura Campo de Heliantos. Graziela venceu o concurso ProAc da Secretaria Estadual de São Paulo (2014), categoria romance, com o livro “Fumaça”. Publicou o livro prosa poética “Vejo Girassóis em você” (Editor Lumme). Em 2019, foi contemplada com ProAc, categoria romance, com o Livro “Jenipará”, publicado pela Editora Reformatório.

 



Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019), Eva-proto-poeta, ed. Caos & Letras, 2020 e  Estive no fim do mundo e lembrei de você  (Editora Peirópolis)