por Germana Accioly___
A carne do jambo me soa exótica. Fruta vermelha, quase roxa,
que por dentro se faz translúcida. A sugestão de sabor intenso é um drible. O
jambo é uma fruta suave. Às vezes, no paladar, parente da carambola.
Final da tarde de um dezembro findando e os tapetes
vermelhos a pintam as calçadas do Recife. Ando sobre eles, soberana. Minha
passarela perfumada. Em algum momento me falaram que a geleia feita com a flor
do jambo é das mais delicadas. Não duvido. Alguém sabe o segredo da receita?
Os frutos aparecem aqui e acolá. Pequenos regalos nas
calçadas, nos recantos. Se a caminhada for cedo da manhã, depois de uma chuva
de verão, as chances são maiores de chegar em casa com alguns deles.
Uma revoada de jandaias conversa comigo.
Daqui a pouco são as mangas florescendo.
E os cajus.
Amo as frutas de final de ano. Safras de Natal. Presentes da
natureza.
Férias.
Vez por outra sou acometida de paixão.
Mordo a carne do caju e o sumo desce, escorrendo pelo
antebraço, saindo da mão que segura a castanha. Existe um prazer antigo na
nódoa que marca a roupa, no maxilar que quase trava, no cheiro impregnando
tudo.
Não resisto às mangas que se apresentam pelas ruas. O fio da
manga que se acomoda entre os dentes, a casca que se desprende da polpa quase
rasgando, o roer do caroço em busca do gosto de carne doce.
O jambo é mais tímido. Firme, pouco sumo, caroço mirim. Não
se come um apenas. Fruta do mistério. Flores comestíveis, encarnadas.
Escrevendo, penso que o tema só me chegou porque a vida está
pulsando forte em mim. Como um coração que se ouve de longe.
Há um não sei o que... de gula ou desejo.
O vento que bate quente no meu rosto traz novas rimas.
Virando a esquina, uma manga se insinuou. Caiu bem na minha
frente. Ali mesmo, alisei a fruta no vestido florido como quem limpa, sentei e
mordi a casca bem acima do caroço, um furinho pequeno, pra sugar o sumo. Manga
espada. Senti cada nuance doce, adstringente.
Preferi em outro tempo a manga rosa.
Já assei castanha dentro da lata de doce no terreno ao lado
de casa, ao redor de uma fogueira. Depois, escolhia a melhor pedra para quebrar
a casca. E comia queimando os lábios, a conquista da colheita. O óleo da castanha
ainda borbulhando e fazendo fumaça. Os dedos ardendo, os lábios dormentes.
Nunca mais comprei pitomba no sinal. Saudade de ouvir o “cloc”
do meu dente quebrando a casca, e o empenho em sacar da semente a polpa
sutil...
As lembranças do meu litoral de criança, norte.
Hoje faço risoto de caju. Uma aliteração, dirão alguns.
Sensações assumem outros sentidos.
Era somente uma volta pelo quarteirão.
Germana Accioly é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista.