por Wellington Amâncio da Silva__
Chuvas torrenciais no município de Bedelém. Uma
mancha de lama e de lodo riscava o pé das paredes das casas do lugar. Milharal
inundado, ovelhas encharcadas berravam para o céu, barro fundo nas estradas e
caminhões atolados. Onde este lugar!? No Cerne do Sertão.
De dezembro a janeiro, do verão de fogo ao frio
de águas sem fim, foi o que houve, inundações. No sábado as nuvens se fecharam
muito cinzas e carregadas, e um trovão enorme fez despencar toda a água do
mundo. Aguaceiros.
A torrente escurecida avançou pelos bairros e
avenidas até à Prefeitura e à Câmara, depois atingiu a todos, sem dó, sujando
dentro de nossas casas. Logo as pessoas se aperrearam, sobretudo os
pobrezinhos. João se perguntava, “Qual o propósito de tanto prejuízo, de tanta
lama?”.
Tentando esquecer esse caos eu mesmo resolvi
caminhar por aí, sem destino, desejando sentir o cheiro da terra molhada e
contemplar a paisagem gris ao meu redor. Todavia, ao longe vi um charco muito
comprido de água e lama e avistei Manarii desesperado, o escorpião, encimado
num morrinho enxuto circundado de água para todos os lados. Ele clamava por
ajuda, lágrimas nos olhos e rosto sofrido. Ninguém o ouvia, coitado...
Minutos depois, Alfredinho, o sapo cururu, se
aproximou todo prestativo.
— Quem pede socorro!?, quem pede socorro!? —
disse o sapo.
— Eu... eu aqui. Por favor, me ajude... — gritou
Manarii, o escorpião.
— Espere... tenha calma... Estou indo ajudar...
Alfredinho, o sapo, tomou um baita susto quando
se aproximou o suficiente para identificar quem pedia socorro, o escorpião.
“Deixo morrer essa besta-fera?” — pensou o sapo,
mas, eis que a sua educação de cidadão honesto, as suas crenças, os conselhos
dos seus pais sobre ajudar o próximo perseveraram. Com muito cuidado, se
dirigiu ao escorpião, que por sua vez se justificou:
— Alfredinho, meu amigo. Me escute bem, por
favor. Eu me redimi, acredite em mim! Agora sou outra pessoa. Mudei totalmente,
pode confiar. Não sou mais hostil. Nesta vida nada ganha quem faz o mal, por
isso eu mudei... Se aproxime um pouco mais e veja com seus próprios olhos como
estou mudado... não faço mal a ninguém mais, nem mesmo as formiguinhas...
Alfredinho, o sapo, hesitou muito, mas, quis
dar-lhe mais uma chance, pois aprendeu em casa a ter esperança na mudança de
caráter das pessoas. Pensou que seria bom que todos o vissem carregando o
escorpião sobre as coisas e assim o fez.
— Vou te dar só mais uma chance de você provar
que agora é uma boa pessoa. — disse o sapo — Observe que um mundo melhor se faz
com boas ações e todos podem mudar para melhor...
Logo o escorpião velejava calmamente sobre as
costas do sapo, que aplaudido se sentia maravilhosamente bem. Uma multidão de
animaizinhos gritava em coro: “Em você eu votaria até para presidente, nobre
Alfredinho! Parabéns!”.
— Nem para vereador eu votaria! — disse um grilo
pessimista — isso aí é fingimento puro... quem já viu sapo se misturar com
escorpião? Essa chapa não daria certo, seria um fiasco...
— Você precisa acreditar num mundo melhor, seu
grilo... — aconselhou a senhora Cascavel.
— Realmente a cena é belamente cinematográfica!
— disse a raposa velha.
Já o escorpião achava bom o feito do sapo e da
plateia, porém, ninguém na Terra seria capaz de sondar seus pensamentos...
Ah, a boa ação... Que coisa linda! O sapo de tão
feliz, outrora um bicho sério, sorri com seus lábios finos e côncavos. E logo
ao encostar-se às margens de terra firme o escorpião salta para o seco. Na
velocidade de um piscar de olhos empurra o ferrão venenoso nas costas do sapo
Alfredinho, que envergado e se contorcendo de dor questiona em voz vacilante:
— Mas você me disse que se redimiu? Que agora
tornou-se outra pessoa? Que deixou de lado as hostilidades?
O escorpião gargalhando disse:
— Alfredinho, seu tolo... esta é a minha
natureza. Já ouviu falar que escorpião mudasse de caráter? Eu sou assim e nisto
me dou bem. Você perdeu! Se vire, seu tolo!
Já o pôr-do-sol se observava ao longe.
Alfredinho ainda chorava aos prantos gemendo de imensa dor. Era veneno demais
em suas coisas, era dor para semanas e meses, era dor para mais de quatro anos,
coitado.
Do Céu a Justiça o observava em silêncio, sim,
em silêncio o observava...