por Yvonne Miller___
— Que
palhaçada é essa?
A mãe
tinha entrado no quarto da filha sem bater na porta, o papel na mão. A menina,
tendo seu sono interrompido tão bruscamente, senta na cama, o cabelo verde
cobrindo metade do rosto. Confusa, olha em sua volta, tentando se localizar.
— O quê?
— pestaneja
devagar.
— Isso
aqui! —
A mãe abana a folha. — Por acaso não foi você quem escreveu?
— O que
é isso? —
A voz sai baixinha, as palavras lentas como se a menina tivesse que fazer um grande
esforço para encontrá-las no seu interior e empurrá-las para fora. Há poucos
momentos ela estava andando por um bosque encantado, admirando os livros que
cresciam nas árvores e as canetas que brotavam do chão. Mas o sonho acabou quando,
de repente, o céu abriu e a cara da mãe apareceu, gritando-lhe palavras que ela
não entendia.
— Ah,
não tá lembrando?! Pois eu vou ler para você, ver se isso ajuda sua memória.
A mãe
levanta a folha à altura dos olhos e pigarreia.
— “Eu já
falei que essa MERDA não ia dá certo!” — Aqui ela faz uma pausa e lança um olhar
acusador à filha por cima do papel. Logo baixa novamente os olhos e continua lendo
em voz alta: —
“Agora não venha encher meu saco, que não quero saber mais de briga, nem de
estudar, nem da BOSTA dessa prova de MERDA!”
Outra
pausa enquanto encara a filha que — a deduzir pela cabeça abaixada — agora lembrou
do episódio da noite anterior em que inventou de escrever aquela carta e deixá-la
no balcão da cozinha, onde a mãe a encontraria logo cedo.
— Sério,
filha?
— Mãe...
— geme a menina.
— Duas
vezes “merda” e uma vez “bosta” em quatro linhas? Você não acha isso um pouco
redundante não?
— Hã?
— E tem
mais: “Eu já falei que essa merda não ia DAR certo.” Dar, não “dá”. Você já
conjugou o verbo auxiliar, então o verbo principal fica no infinitivo.
— Não
entendi.
— Viu,
por isso que precisa estudar. Se não, acaba parecendo o presidente falando. Eu
hein! Agora levanta e se vista pra gente não chegar tarde na prova!