por Iaranda Barbosa___
Um
eu lírico em plena, intensa e constante ebulição. Ou seria evolução? Ou ambos
os processos? Assim se revela a voz poética dos textos encontrados em Poemah,
de Marina Mah. Lançados em 2021, os 20 poemas sem título são enumerados
em algarismos romanos que os unem e ao mesmo tempo os relega um caráter
independente, tal qual a produção do livro.
Os
versos nos levam para caminhos, descaminhos, encruzilhadas, atalhos e
bifurcações que se entrecruzam. Percorremos as estrofes como quem sobe e desce
degraus, seja de uma escada rolante, seja de um prédio de muitos andares:
I
bastaram
alguns
degraus
abaixo
para
que me perdesse
degraus
de loucura
que
despisse
degraus
de nudez
para
que me
apedrejassem
culpassem
desistisse
arrependesse
e só então me enxergasse
encontrasse
mãos
que
ajudassem
a
recomeçar
e recomeçando
degraus me
reergueram
[...]
O ir e vir dos olhos durante a leitura fomenta o
bailar etéreo de um eu lírico em mergulho num autoconhecimento permeado por
dúvidas, certezas, angústia, mas, sobretudo, consciência de que não haverá
retorno para o estágio inicial:
X
exausta
disse
não!
já não aguenta mais
lavou
as mãos
largou
os pratos
despiu-se dos moldes
olhou
para si
enxergou-se mulher
O progresso culminará em libertação. E essa
liberdade também está refletida nos elementos da natureza que se entrelaçam aos
sentimentos, aos pensamentos, aos estados de ânimo que revelam a cada verso e
se conectam entre as estrofes. A nudez, a loucura, a solidão, a chegada à vida
adulta, a independência, os pés descalços, refletir(-se) no espelho. Todas
essas etapas, todos esses contextos constroem o eu lírico de Poemah e
nos fazem refletir sobre os diversos tipos de estados de espíritos libertários,
libertos, libertinos, livres de amarras e de normas. O olhar lançado sobre si
mesma e a consciência de que é dona das próprias decisões:
XII
Lá
estava eu
de
pé
sobre
as próprias cinzas
senti
queimar
cada
parte
de
quem pensei
que
seria um dia
sempre
soube
desse
destino
de
cada mulher
que
como eu
sonha
e voa alto
vesti
minha própria
pele
essa
tão
forte como o mar
o
fogo
a
terra
a
ventania
fui
semente
e
hoje broto
maior
que antes
Ao se deparar com poemas curtos, o
leitor cai na armadilha da poeta em acreditar que a leitura será rápida. Ledo
engano, pois os versos nos fazem parar, retroceder, realizar novas descobertas
ao revisitar os sentidos das entrelinhas. Queremos aproveitar ao máximo a
potência de cada mensagem. Assim Marina Mah se entrega e nos entrega
versos que se desdobram em estrofes que, por sua vez, se convertem em sons,
sentidos, sentimentos, sensações. Os poemas, como a própria autora traz na
última página, foram escritos em um ano pandêmico, sem carnaval, com a
expectativa da vacina, mas ao mesmo tempo ainda governado por um genocida. Eles
vieram para gritar ao mundo que ainda há esperança, mesmo imersos em crimes e
impunidades, haja vista os assassinos de Mariele Franco estarem à solta.
A mistura da criatura com a criadora – Poemah – anuncia: “Toda mulher
tem direito a ser erupção”.
Marina Mah é poeta, ilustradora e artista intuitiva. Facilitadora Didata de Biodanza, facilita grupos desde 2012 no Museu de Artes Afro Brasil Rolando Toro. Expõe seus a-fazeres biocêntricos e artísticos no perfil @marina.bio-danza. Marina é também professora na rede pública de ensino. Mulher-negra-lésbica-nordestina, militante das ruas e das letras, do corpo e dos verbos.
Iaranda
Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui
mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé
(Selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora
possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos
científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.