por Taciana
Oliveira__
Autor dos livros de poemas “Digitais do Caos (Edith, 2016)” e “Aurora de Cedro” (7 Letras, 2019), o cearense Tito Leite publica o seu primeiro romance, "Dilúvio das Almas" (Todavia,2022): Queria escrever um livro próximo do sertão tal como ele é, mas sem nenhuma pretensão de fundamentação, até porque o sertão é como o manto de Penélope, um tecido sem fim.
Segue abaixo entrevista com o escritor.
1 –
Como você definiria Dilúvio das Almas, o teu romance de estreia?
Em
Dilúvio das Almas, encontramos Leonardo, um andarilho em busca de ser pleno de
si mesmo. Mas como sabemos, um homem livre é sempre uma ameaça, e, na
brutalidade do cotidiano, encontra ventos contrários, que nem sempre é capaz de
domar. Nessa direção, defino como uma história que trabalha com a fealdade do
real, e, ao mesmo tempo, uma narrativa contra tudo o que oprime e diminui a
vida, revelando o quanto pensar e agir diferente incomoda.
2 – Em
que aspectos a sua vivência como homem nordestino ajudou na composição do
perfil de Leonardo, personagem principal da obra?
Sou do
sertão do semiárido do Cariri, CE. Conheço bem as regiões mencionadas no livro,
de modo especial, os tabus e preconceitos. Pensei nos costumes e atitudes que
incomodaria um homem que busca a liberdade pela liberdade. Nessa direção, algumas
temáticas do livro eram também questões que me atravessava. O que exigiu maior
atenção no processo de criação do personagem, especialmente, para não colocar
na boca dele as minhas palavras. Além disso, conhecer a culinária, saber o que
é um sol escaldante queimando a pele do nariz, assim como, saber onde as
raposas dormem, gera segurança para trabalhar o personagem e a ambientação em
que se passa a narrativa.
3 - O
que você destacaria do processo de desenvolvimento do romance? Como nasce
Dilúvio das Almas?
Pensei
num livro que diz muito com pouco, a ideia era escrever uma narrativa compacta,
sem excesso, tirando toda gordura do texto. O livro nasceu da minha vontade de
escrever algo sobre o sertão, coisa que nunca fiz nos meus livros de poesia.
Queria escrever um livro próximo do sertão tal como ele é, mas sem nenhuma
pretensão de fundamentação, até porque o sertão é como o manto de Penélope, um
tecido sem fim.
4 – Em
Dilúvio das Almas filosofia e lirismo permeiam uma narrativa realista, que por
vezes alude a universos literários distintos como de Jack Kerouac a Graciliano
Ramos e Raduan Nassar. Você buscou alguma referência para te ajudar na
laboração do teu romance?
Eu
sempre digo que a minha escrita é a marca dos meus encontros literários. Não há
uma referência, mas alguns ecos desses encontros. Li bastante o Kerouac, sou um
apaixonado pela obra “Lavoura Arcaica” e um entusiasta das narrativas do William
Faulkner (meu autor de cabeceira). Acho bastante interessante a obra de Selva
Almada, uma narrativa enxuta. Todos esses autores e outros foram de grande
importância. Além disso, li vários livros sobre técnica de escrita e fiz
oficina com Raimundo Carrero.
5 –
Quanto tempo de formatação até chegar na versão final da obra? Você utiliza
algum método? Tem uma rotina de trabalho?
Eu não
tenho uma rotina de trabalho ou método. Na verdade, o que faço é escrever e conhecer
novos autores. Gosto de ficar à espreita de ideias ou imagens que abram clarões
no texto, muitas vezes, surge um aceno quando estou na salmodia do ofício ou
desempenhando um trabalho. O processo de escrita não foi demorado, apenas 7
meses. Quando comecei a escrever estava no momento crítico da pandemia e eu
passava o tempo todo burilando na narrativa.
6 –Para
o escritor Milton Hatoum fazer literatura é praticar a resistência: “escrever
um romance hoje é quase um ato de loucura". Qual o papel do escritor diante da
desumanização que nos cerca atualmente? Como você se ver dentro desse cenário?
Gosto
bastante da filosofia de Herbert Marcuse, estudando esse autor, descobri o
poder subversivo da arte e sua vocação para transfigurar a realidade. Acredito
que o papel do escritor é semelhante ao dos filósofos, colocar o mundo em
questão. Pensar além da caverna. Nessa seara, sempre busco colocar as angústias
e questões de nosso tempo, de modo especial, trabalhar com a fealdade do real.
O interessante é criar linhas de fugar e de resistência contra todas as forças
reativas que diminui a vida. Em Dilúvio das Almas, há um questionamento aos
nossos modelos éticos, de modo especial, a existência de toda moralidade
superficial, construída ao longo dos anos. Uma moral como adestramento, ainda
presente nos costumes patriarcais.
Tito Leite nasceu em Aurora (CE), em 1980. É poeta e monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor dos livros de poemas DIGITAIS DO CAOS (2016) e AURORA DE CEDRO (2019). DILÚVIO DAS ALMAS é seu primeiro romance.
Taciana
Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e
do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de
Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music
draws me in…