por Anthony Almeida__
Cartão-postal Paraná•Cart/Dicol nº 11 - Vista parcial do centro de Recife - Coleção Anthony Almeida
Quando decidi que voltaria ao Recife, fiz duas coisas. Já, já eu conto.
Antes, é importante saber que, durante sete anos, morei longe do Recife e,
ainda mais importante, longe de Pernambuco. Isso implicou estar longe dos meus
pais, da nossa casa e do nosso chão-natal. Isso implica, ainda, estar longe dos
meus pais, da nossa casa e do nosso chão-natal.
Decidir não é realizar. É um passo importante para que se realize, mas
ainda não é. Estou em São Paulo, ainda. Vivo numa cidade do extremo oeste,
ainda. Pernambuco, Recife e Caruaru, minha casa, ainda são lugares de desejo e
de lembrança. Minhas vivências estão fincadas na terra de Presidente Venceslau,
que recebeu minhas raízes, antes presas nas nuvens que perambulavam entre o
Atlântico e o Agreste.
Durante a distância, senti e sinto saudades. Ouvi e ouço canções de
gente pernambucana ou sobre Pernambuco. Criei uma lista de músicas com duzentas
e cinquenta toadas, já velhas e cansadas, de tanto que se repetiram. Crio
mentalmente, sempre que as ouço, mais dois, doze, duzentos acréscimos à lista,
mas freio. Permaneço com duzentas e cinquenta mesmo. Gosto que se repitam,
ainda que a repetição demore, para que eu cante junto. Duzentas e sessenta e
duas ou quatrocentas músicas seriam boas, mas se repetiriam menos.
Querer voltar para um lugar que já foi seu é desejar a repetição, é ter
a esperança de que a familiaridade com as ruas, os sotaques e os sabores farão
do retorno um futuro cheio de belas tardes de domingos azuis; farão do
reencontro um gosto em ver, e saber, que há de tudo o que há no mundo em sua
terra. Querer voltar para um lugar que já foi seu é ter a esperança de que o
caminho de possibilidades, apenas tateadas no passado, serão puras lambuzeiras
no futuro.
A saudade joga um pano eufêmico na realidade. Idealiza-se. Idealiza-se
muito. Mas eu quero trocar o toque diário do despertador, que acordou muitas
das minhas manhãs paulistas com um "maluco por Pernambuco. Eu podia viver
lá, mas lá, lá vou eu ficando por cá, São Paulo", na voz de Tom Zé, em
Capitais e Tais, pelo mantra, urrado, "Pernambuco embaixo dos pés e minha
mente na imensidão", na garganta de Chico Science e nos batuques da Nação
Zumbi, em Mateus Enter.
Uma das coisas que fiz, depois que decidi que voltaria, foi notar que precisaria
encaixotar minha biblioteca e minha coleção de cartões-postais. Organizei,
contei, enfileirei. Ainda não guardei; o tempo certo não chegou, ainda. Para
celebrar a decisão, escolhi um postal e um livro. O segundo para leitura, o
primeiro para marcar as páginas. Na obra, uma elegia e dez digressões sobre o
encaixotamento duma biblioteca – não saberia de leitura mais ideal para a
ocasião. Na paisagem de papel, antiga, o Recife, o Rio Capibaribe, uma avenida
inundada de Fuscas vermelhos.
Muitos Fuscas. Contei vinte e um, depois de perder a conta algumas
vezes. Acho mesmo que sejam vinte, já que um deles, atrás de um poste, pode
muito bem ser um Chevette. De certeza, nove sabidamente são Fuscas, sem
pestanejo. É na paisagem postal que está a segunda coisa que fiz, que farei. Contarei,
no meu novo Recife, em meu primeiro dia, quantos carros vermelhos verei na
paisagem. Serão menos de vinte-vinte e um, talvez sejam menos de nove. Mas eu
quero ver, quero contar, quero ter a certeza de saber quantos serão, de dizer
quantos são.
Presidente
Venceslau. Março, 2022.