Carta ao quase amor | Germana Accioly

 por Germana Accioly__

 




Acordei vendo as coisas sob um prisma menos cinza. Ver a vida com os filtros do subjetivo dá nisso. As coisas mudam de cor, assumem contornos diferentes.

 

Precisei de algum tempo para maturar o último encontro. A fluidez da nossa mesa, meu coração batendo tambor, o tempo que passa noutra frequência, uma música que gruda que nem chiclete na cabeça.


Este jogo que a gente aposta no fio da navalha...


Não sentir o que se sente é das maiores prisões. Cambaleei nos sentidos... mais uma noite em claro. Pela manhã tento alvorecer, abrir as janelas para novos ares. Sou a aurora que acompanha o sol, orvalho tímido de verão.


A urgência da vida me parece uma emergência. O sol bate na nuca lembrando a respiração que pulsa no abraço. Os braços envolvendo o corpo, pescoço pendendo para um lado, oferecendo o cangote. Morrer neste abraço... Pequenas mortes que dão sentido à vida.


Não ouso nomear o que vivo.


O que cresce em mim tem potencial de árvore frondosa. Um ipê florido na beira da estrada, a gente admira, fotografa, deita-se à sombra, mas não sabe o tanto que demorou para crescer. A semente cumpre seu ciclo. É preciso regar, podar, olhar, vigiar o crescimento. É preciso acreditar que ela vinga.


Este jogo que a gente aposta no fio da navalha...


Nem mestra, nem aprendiz.


Quase uma planta, quase amor.

 



Germana Accioly
é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista.