Dilúvio das Almas | Tito Leite

por Taciana Oliveira__




Dilúvio das Almas é uma obra que não se esgota na leitura. No seu primeiro romance o poeta cearense Tito Leite revela as angústias de Leonardo, personagem de uma intensidade honesta e vibrante:


Não esperei as trevas se esvaírem completamente e fugi de Dilúvio das Almas. Fugi da minha família e do meu sertão. Fui embora sem dizer adeus ou algo do tipo um dia eu volto e quem sabe não me demore. Na saída, sequer sacudi a poeira. Joguei fora os sapatos e segui em frente. Os pés queimados pelo mormaço do asfalto. Passaram as marchinhas de Carnaval, a Semana Santa, as quadrilhas juninas. Nasceram flores

 

Ao retornar à cidade natal, ele confronta sua trajetória e o não pertencimento. Afinal, são anos de um distanciamento voluntário, fincado na recusa em sobreviver atrelado ao peso da tradição familiar. No sertão desenhado por Tito a realidade é visceral. O autor costura imagens e sentimentos em um exercício narrativo que mobiliza os sentidos do leitor:


Eu sempre fugi de Dilúvio das Almas. Se eu fosse escrever um livro com personagens desse lugar, colocaria na dedicatória: Para minha cidade, que nunca amei. Mas dentro de mim havia sentimentos conflitantes. Mesmo sem amá-la, eu me encontrava fazendo uma oração, pedindo a Deus um pouco de conforto para essa terra dos esquecidos.

 

Essa tessitura tão bem estruturada pelo autor se reflete na força da composição psicológica do seu protagonista, um andarilho que não abdica da sua existência, um homem que confronta o passado e o presente sem o maniqueísmo das forças que regem o atraso, o oportunismo e a hipocrisia das tradições:


Sou feito árvores que rasgam suas raízes. Não sou homem de genealogia; dentro de mim, enveneno toda sensação de pertencimento. Árvores sem raízes se transmudam em árvores que andam.

 


Dilúvio das Almas traz ainda o bom presságio para o exercício da adaptação cinematográfica. Nas suas entrelinhas ressoam referências que vão além do universo literário. Estão lá as contradições humanas que permeiam o universo de Hirszman, Glauber, Faulkner, Carrero, Camus, Graciliano, Kerouac e tantos outros.  Tito Leite escancara o que muitas vezes evitamos enxergar:   


o há nada de divino no horror. A cada disparo, é parte de mim que também morre aqui. Hoje, eu também morro. Já não sou um estrangeiro na minha terra. Já não sou um deslocado. Sou apenas mais um dos seus filhos. Agora estou em casa.


Dilúvio das Almas diz muito sobre nós, diz muito sobre o Brasil.

 




Tito Leite
nasceu em Aurora (CE), em 1980. É poeta e monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor dos livros de poemas DIGITAIS DO CAOS (2016) e AURORA DE CEDRO (2019). DILÚVIO DAS ALMAS é seu primeiro romance.

 

 





Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…