por Alessandro Caldeira__
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O revólver já estava diante de mim, mas ela
pareceu nem notar ou fazendo pouco-caso da cena, perguntou-me:
–
Está pensando em se matar? Pelo menos,
sentiu-se sonolento horas antes?
–
Como assim?
–
Eu li, não sei aonde, que todo suicida tem
sono momentos antes de morrer.
–
Hum…
Respondi tentando igualar a indiferença e o
desprezo que ela manifestara, ocorreu-me, no entanto, o contrário: ela me
intrigou; pois se ela não sabia de onde veio aquele argumento, eu, porém, tinha
total consciência: os que estão à beira da morte sempre adormecem antes de
morrer e imploravam por um minuto de sono. Sabia disso, mas ignorei. “Por que?''. Essa questão aparentemente
fútil fez-me abaixar o revólver porque não conseguia resolvê-la. Ela, ainda
assim, aproximou-se de mim e recolocou o revólver na minha direção, “desistiu
de se matar?”
Sim, eu havia desistido. Mais do que isso: causara-me
terror ao ver, novamente, aquele objeto metálico cravado na direção do meu
coração, como se fossemos eternamente íntimos.
Queria poder ter uma resposta, pronta,
imediata e fulminante quando me perguntou: “você
dormiu horas antes?”, talvez, assim, ela perceberia que estava que o meu
destino estava selado, se a resposta não viesse a tardar, com certeza, teria me
matado e finalmente estaria livre. Agora, porém, novas questões surgem em meu
interior: por que eu não senti sono? Eu não queria me matar?
Ah, por que ela resolveu aparecer justo agora?
Eu tinha acertado comigo mesmo todos os motivos para acabar com a minha vida,
para extingui-la para sempre e mostrar que o mundo sem mim poderia parar,
desaparecer… mas, agora, lá está ela, vagando pela casa como se quisesse
expulsar algum agouro, assombração ou demônio da minha casa. Antes, estava tão
vazia, que me sentia completamente livre para idealizar o meu fim e, de
repente, tudo muda e a sua aparição me obriga a renovar os problemas que não
foram resolvidos.
Enquanto observava seus gestos cheio de
excitação falando-me de como foi a sua viagem, tentava me lembrar do dia
anterior à chegada dela, buscando uma resposta para aquela pergunta que não
cessara do meu coração: “por que não dormiu?”
A verdade, porém, veio tão rapidamente que
parecia que ela estava à porta, esperando-me, como um cão louco para sair do
cativeiro. Eis o que aconteceu: ela me ligou e disse, exasperada: “estou
chegando”.
Falara tão alegre e divertida que levei aquela anunciação como a um insulto: “será que ela sabe da minha decisão e me ligara com esse tom só para zombar de mim?”, e fiquei acordado a noite toda jogando pragas para que ela nunca chegue. Desejei que a viagem dela fosse um desastre, que o pneu do carro furasse, que acabasse a gasolina no meio do caminho ou que simplesmente sofresse um acidente.
Esses pensamentos, no entanto, trouxeram-me a um cenário completamente diferente daquelas palavras: encheu meu coração de pena e tristeza. A visão do carro batendo e ela estilhaçada entre os cacos de vidro e a lataria tomaram, de assalto, minha imaginação. Até que gritei, de mim para mim, como querendo expulsar tudo isso: por que se importa? Qual a diferença que faria o destino dela? Você não vai morrer, afinal?
Comecei a tremer; uma tremedeira como a de um calafrio, mas uma coisa estranha é que não sentia arrepio, apenas a tremedeira. De repente, não sei se por sonho ou alucinação, a vi entrar no meu quarto: “vim para lhe salvar.” Ela repetia insistentemente a palavra “salvar”. Eu tentava reagir, juro para vocês que tentava, queria dizer-lhe que não precisava ser salvo, mas ela adivinhara tudo e me perturbava mais uma vez: “sei que lhe traí, mas todo traidor não merece uma redenção?”
Quando acordei daquela alucinação, daquele estado de não-ser, parecia que eu ainda estava suspenso no ar como a um sonho que se estende para a realidade. Ainda podia ver os seus traços rondando pela casa e o eco da sua voz: “Ah, não era você quem dizia que te amar era como o mar deslizar sobre seus pés, se arrastar pelo seu corpo e beijar-lhe a boca?”
Nada disso saiu da minha cabeça. Tentava expulsar, arrancar com a mão algo estranho que se instalara em meu corpo, mas as suas questões sobre o suicídio continuaram e, ela, ao aparecer, fez-me perceber que eu não queria me matar, afinal, pois os meus tormentos ainda estavam intactos, e todos nós sabemos que, nesta Terra, não há tormento sem amor.
Era impossível pensar na morte porque ainda
não havia me transformado em um nada. Os resquícios que sobraram de um homem
ainda permaneciam em mim, portanto, não poderia ignorar qualquer sentimento. “Tudo isso foi apenas uma efêmera sensação de
que o amor se dissipa.” Ela me salvou.
Alessandro Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.