Para os que ficam | Alex Andrade

 por Taciana Oliveira __

 



O romance “Para os que ficam”, de Alex Andrade é o mais novo lançamento da editora Confraria do Vento. Sobre Ana, a personagem que conduz a narrativa da obra, o escritor declara: Acho que adentrar no universo feminino requer cuidado, respeito e principalmente identidade.


1 – De que forma você se preparou para a produção do livro? Há alguma referência autobiográfica ou é uma obra totalmente ficcional?


Então, essa história estava na minha cabeça há anos, geralmente carrego as ideias de uma história como se fossem patuás que me acompanham. Quando eu publiquei o meu último livro, o romance Antes que Deus me esqueça, também publicado pela editora Confraria do Vento, as imagens dessa personagem já vinham me sugerindo ideias, formas, nuances, essas coisas da criação que a gente tenta ao máximo organizar, tomar como conteúdo adquirido e resolvido e, de repente na hora de colocar no papel se desorganizam e a gente se vê numa estrada sem fim tentando reorganizar os passos, conceber o destino, mas nunca é assim tão fácil e menos doloroso. Eu havia acabado de publicar um livro que tratava da história de um homem encarcerado que revê toda a sua trajetória e a sua busca pelo significado da sua existência, um homem negro, vítima de uma sociedade preconceituosa, sem pai, que procura a identidade deste, e que, como a gente vê por aí dia a dia, acaba sofrendo as piores decepções e frustrações. Com a personagem Ana do livro em questão, não foi diferente. Li uma entrevista do escritor norueguês Karl Ove Knausgärd onde ele dizia “Escrever não é fácil”. E eu precisava me preparar para sentar, respirar e deixar que as ideias fossem ganhando o espaço da tela do computador. Eu sabia o que queria escrever, sabia exatamente qual o sentido que gostaria de dar ao texto, mas não podia escorregar nas armadilhas de um escritor que acha que domina a sua escrita, e precisava naqueles momentos que a honestidade dessa história fosse o fio condutor da criação. E foi assim que permaneci durante o tempo em que me concentrei na escrita. Eu tentei, como nas outras tentativas, escrever uma história que fosse tão real como a vida se apresenta para nós. Por isso, essa é uma obra ficcional, recheada de pitadas do que a gente aprendeu e viveu e sonhou e ainda vai experimentar.

 

 2 – Como foi compor uma narrativa a partir de uma personagem feminina? Como você descreveria Ana?


Cresci lendo livros escritos basicamente por mulheres, e as personagens femininas sempre foram muito presentes no meu imaginário. A minha identificação com o feminino surgiu nessas escritas, nas histórias que essas escritoras deixaram como legado para as gerações futuras. Foi um grande desafio, mas foi também um aprendizado, porque penetrar na intimidade feminina não é nada simples, vide as personagens marcantes da minha trajetória como leitor e como ser humano. Acho que adentrar no universo feminino requer cuidado, respeito e principalmente identidade. As mulheres sempre foram muito importantes na minha trajetória, desde a identificação com a luta pelos seus direitos e pela liberdade ao afeto que construiu a minha personalidade. Sempre que escrevo, vejo a imagem da minha mãe, que foi importantíssima na minha formação e orientação. Quando escrevia a história da personagem Ana, todas essas mulheres e suas trajetórias brilhantes de força, resignação, astúcia e empoderamento, passavam como um filme na minha cabeça. Apesar de todos os aspectos que compõem essa personagem e as agruras, Ana é amor, é força e sobretudo é liberdade.

 

 

3 – Alguma obra te inspirou a escrever “Para os que ficam”? Como foi o processo de escrita do romance?


Acho que o que me inspirou a escrever o livro, foi um apanhado das histórias que observei durante o decorrer da vida, experimentos, olhares, convivências, fatos que me instigaram a narrar uma história de luta para sobreviver e saber emergir das profundezas. Essas histórias que a gente volta e meia ouve, assiste nos noticiários, vai descobrindo que está mais perto de nós do que nunca, foi exatamente dessa maneira que comecei a processar uma ideia para escrever um livro com esse tema, que tomei coragem de dizer, mostrar, porque ainda dói, como diria Ana em uma passagem do texto, essas feridas que nunca saram. E esse processo foi profundo, cuidadoso, exaustivo.

 

4 – Como você apresentaria “Para os que ficam” em termos de ousadia formal e estrutural? O que esse livro representa para você?


Para os que ficam é o livro que tem urgência, que fala bem perto de nós, a forma bruta que é o retrato da vida, as desigualdades de gêneros, os absurdos que ainda repercutem entre quatro paredes, as intolerâncias, mas ao mesmo tempo, percebe-se que de uma pedra nasce uma flor, e tem poesia, e tem essa ideia de um mergulho, do silêncio debaixo d’água, de respirar e se sentir livre e ser o que se é, ser o que se tem que ser.

 

5 - Qual é a sua formação? Quando você decidiu que queria ser escritor?


Já trabalhei com um pouco de tudo dentro da arte: estudei e atuei nas artes cênicas, paralelo aos textos que rabiscava já na pré-adolescência, trabalhei com produção de shows de música, já contei histórias para crianças, estudei arte educação e atuo há mais de trinta anos em escolas particulares do Rio de Janeiro com teatro e desenvolvimento criativo para o público infantil. Mas a literatura sempre viveu lado a lado com as outras possibilidades. Lembro que ainda criança, minha prima Rosangela, resolveu investir nas minhas redações da escola e através desse incentivo, fui descobrindo que algo poderia surgir. Foi através desse incentivo que me apaixonei pelos livros e histórias.

 

6 - Escrever sobre a ótica feminina, a realidade abusiva, a loucura, o que é mais desafiador?


Escrever. (Risos)

Experimentar todas essas facetas foi um exercício e tanto, um desafio.

Tem a questão delicada de abordar temas tão pertinentes, uma personagem que é tão próxima do real, fatos que chegam a doer na alma da gente, esse desafio é inesquecível.

 

7 - Você escreve diariamente?  Tem uma rotina de trabalho como escritor?


Não costumo ter uma rotina, geralmente sigo as minhas intuições. Tem dias que vou a exaustão, viro noites, ando pela casa, bebo água, sento, levanto, mas tento organizar o tempo para que o processo seja leve, às vezes. Tem dias que me distancio do texto, assisto um filme, ajeito a casa, durmo sem tocar no teclado do computador, mas quem disse que o texto se distancia de mim?

 

 


 




Alex Andrade
nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1971. Publicou os livros Antes que Deus me esqueça (2018), Amores, truques e outras diversões (2014) e Poema (2013), entre outros. Mantém um blog pessoal e também escreve para o público infantil.

 

 




Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…