Quintana, mamãe e eu | Anthony Almeida

por Anthony Almeida__

 






Saímos para um passeio no feriado. Caminhamos pelas calçadas do centro de Caruaru eu, mamãe e Mario Quintana, em livro, no seu Caderno H, de 1973 (4a edição, de 1983). Rua acima, rua abaixo, Quintana comportou-se silencioso e se deleitou no voo oferecido por minhas mãos, feitas suas asas.


Quando pernas e bocas se extasaram, ela e eu buscamos garrafinha d'água, na cafeteria do lado da Catedral das Dores, e repouso na escadaria da igreja. Os degraus funcionam como banco de praça para todo mundo que passa por ali e que precisa esperar por alguém ou que também só se extasou e quer descansar.


Extasar é uma daquelas palavras-poesias que minha mãe cria sem saber que é poeta. Eu chamo essas lindezas de cicismos, já que são filhas de Cici – assim eu a chamaria, se não chamasse de mamãe. Extasar é um misto de cansar e extasiar, geralmente fruto do cansaço do corpo junto ao êxtase da alma. Mamãe é poeta, por isso chamei Quintana para passear conosco. Ele, de pernas e boca descansadas, enquanto mamãe e eu repousávamos sobre a escadaria, danou-se a caminhar – e voar, naturalmente – por nossas línguas.


Eu: Mamãe, vamos ler poesia?


Mamãe: Bora, lê aí.


Eu: Beleza, cada um lê um pouquinho. Esse livro é bom porque a gente pode ir abrindo em qualquer página que tem coisa boa e, geralmente, curtinha. Eu começo:


Quintana, pág. 20: TRISTE REFLEXÃO PARA MÃES SOLTEIRAS – Os filhos são um subproduto do amor.


Mamãe: É não! Eles é que são o amor verdadeiro...


Eu: Eita...


Quintana, pág. 3: O RELÓGIO – O relógio de parede numa velha fotografia – está parado?


Mamãe: Está sim!


Eu: Toma, agora é tua vez de ler.


Mamãe: Tá.


Quintana, pág. 81: DA RECORDAÇÃO – A recordação é uma cadeira de balanço embalando sozinha.


Mamãe: Eita... É mesmo... Eu lembro de quando eu tinha dez anos... Lá em casa tinha uma cadeira de balanço... Chamava de espreguiçadeira... Era de lona... Eu vivia me balançando nela...


Eu: Onde será que ela balança agora?


Mamãe: Na recordação, né?


Quintana, pág. 15: CAMUFLAGEM – A esperança é um urubu pintado de verde.


Mamãe: Vôte! Toma, lê tu agora!


Eu: Beleza!


Quintana, pág. 14: ELA – Mas que haverá com a Lua, que, sempre que a gente a olha, é com um novo espanto?


Mamãe: Verdade, semana passada, de noite, ela tava linda, bem grandona!


Eu: Tava sim...


Quintana, pág. 39: O TRÁGICO DILEMA – Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.


Eu: Como é?


Mamãe: Ele te chamou de burro!


Quintana, pág. 53: OUTONO – É uma borboleta amarela? Ou uma folha que se desprendeu e que não quer tombar?


Mamãe: É uma folha!


Eu: Agora é tua vez.


Mamãe: Me dá!


Quintana, pág. 89: TEMPO – A coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.


Mamãe: Oxe! É o quê!? Como é que ele sabia que eu era uma leitora?


Eu: Hehehe!


Mamãe: Deixa eu ler de novo... Peraí... Mas aí eu vou ficar mais velha!


Eu: Vai...


Quintana, pág. 89: TEMPO – A coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.


Mamãe: Vôte, além de chamar a gente de burra, chama de velha!


Eu: Hahahahaha. Mesmo assim, a gente gosta dele, né?


Mamãe: Gosta sim!

 

Caruaru. Janeiro, 2019.

 





Anthony Almeida é professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e reside em Presidente Venceslau/SP, onde leciona. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. Atualmente é cronista do Jornal Tribuna Livre e da Revista Mirada. É doutorando em Geografia, pela UFPE, editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica, e colecionador de cartões-postais. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com