Salvando a família | Alessandro Caldeira

  

por Alessandro Caldeira__

 


Foto - Burak Arslan 

Quem passa pela Avenida Brasil de Osvaldo Cruz pode perceber um novo habitante daquela esquina em frente à Droga Raia: um venezuelano pedindo ajuda com a seguinte frase “Venezuela Preciso Ajuda”. A frase sem preposição, denotando uma certa pressa e desespero, é o suficiente para dar-lhe uma esperança mínima.

 

O rapaz de estatura média, rosto achatado e olhar trêmulo, não quis se identificar, perguntado qual seria o motivo, respondeu: “não tenho identidade”. Com isso, pôde ser notado que a coisa mais familiar que possui é exatamente aquele canto da farmácia, onde ele fixa o seu corpo como a um filho aos braços da mãe.

 

O imigrante, que aceitou revelar apenas a sua idade: 43 anos, explicou que desde quando chegou na cidade (há três dias) foi recepcionado por D.Laura, catadora de papelão, que desde então sempre passa em frente do local perguntando-lhe se está precisando de mais alguma coisa, em tom categórico: “algo mais?”.

 

O que ele mais precisa, no entanto, é de juntar dinheiro para que suas três filhas possam sobreviver: “minha família não vem comigo por que eu prometi que eu mesmo nos tiraria dessa situação”, e a vergonha nesse momento escapou-lhe aos olhos, quase enchendo de lágrimas, mas imediatamente sorri quando uma pessoa joga uma moeda de 50 centavos no seu pote de moedas preenchido pela metade.

 

O que não estava preenchido, porém, era seu estômago, que um pouco antes da nossa conversa fora apenas forrado, com a ajuda da Casa dos Pastéis, que dera-lhe um pastel para matar a sua fome.

 

“Infelizmente a ajuda que estou tendo não está sendo suficiente para matar a minha fome e sustentar a minha família”, disse, olhando para o estabelecimento.

 

Mas ele faz questão de afirmar que não pretende voltar à Venezuela, pois já passou por dois países: Bolívia e Colômbia e o Brasil foi o país que melhor lhe acolheu. Além disso, afirma que não vai desistir enquanto não tiver o mínimo que havia prometido à família: “eu só quero o que as pessoas oferecerem de coração: pode ser comida, moeda, uma nota, não importa. Mas estarei aqui, no mesmo lugar, todos os dias”.

 

Antes de terminarmos a conversa, dei-lhe três notas: “para combinar com a sua vida que está cheia desse número. Sabia que o três é a perfeição?”, a longa pausa sugeriu que ele tinha entendido o que quis dizer, mas enfatizou: “sou um perfeito miserável”.



 


Alessandro Caldeira
é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.