Sempre justo | Yvonne Miller


por Yvonne Miller__

 






Minha esposa tá numa vibe de receitas novas e low carb. Hoje é a vez do pão de queijo caseiro. O pão de queijo low carb se faz na frigideira e parece uma omelete, mas o cheiro é delicioso. Sem perder tempo, divido os dois pães de queijo fumegantes em três porções iguais: parto-os pela metade e corto a quarta metade em três pedaços do mesmo tamanho. Nessas horas costumo citar a frase célebre da minha mãe quando criança: “Sempre justo!”


Consigo, sem problemas, visualizar minha mãe aos dez anos com suas duas tranças, fiscalizando com as mãos apoiadas no quadril, a repartição da sobremesa de domingo entre ela e as duas irmãs. Mais tarde, ela virou juíza e sofreu a vida profissional toda com um sistema de Justiça quadrado e burocratizado que, por vezes, a forçava a praticar o contrário do que a criança idealista dentro dela chamaria de justo. Não obstante, em casa aplicava aquela justiça simples e infantil, fácil de entender para mim e minha irmã. Na hora de partir bolo ou pizza, o esquema era o seguinte: uma corta, a outra escolhe. “Sempre justo!”, reforçava minha mãe, observando tudo com as mãos no quadril.


— Eu acho que sua mãe tá errada — diz a Larissa, inspecionando a divisão igualitária do lanche: — Quem disse que é justo todos receberem a mesma quantidade, sendo que temos necessidades diferentes? Não seria mais justo fazer a divisão segundo a necessidade de cada um?


Seria? Acho o conceito interessante. Se o mundo fosse uma casa, o justo não seria deixar os quartos maiores para as famílias com crianças? Ou dividir o aluguel proporcionalmente, dependendo das possibilidades de cada um? Que os pratos mais cheios fossem destinados àqueles com as barrigas mais vazias e as melhores escolas para quem depende dela para construir seu futuro?


Ainda estou imersa nas minhas reflexões filosóficas, quando Morena chega na cozinha e torce o nariz ao ver o novo invento culinário da mãe.


— Omelete?


— Nãm. Pão de queijo terraplanista — respondo mastigando.


— Eca!


Enquanto a menina pega uma maçã, Larissa e eu nos lançamos sobre seu terço do lanche.


— Eu não falei? — diz minha esposa. — Bem mais justo!

 

 

Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora