Análise de Melque de Wellington Amancio | Leo Barth

  

por Leo Barth__

 


O autor apresenta uma síntese, ou melhor, condensação profunda como conceitua Ezra Pound[1], dos focos de realidades e de sua desgraça estrutural. A vida, a ordem e mecanismos, aqui do Lado B ou da vida marginalizada são expostos. Melque correu do mundo positivista, criou o seu próprio orbe de fuga e fogo lombrado e virou assunto momentâneo de qualquer parada.

Há metáforas interessantes no texto. Por exemplo, a ponta torta de um fiasco acentua o que por si já é bizarro a fuga do mundo bestaférico e doentio, onde as realidades são assombrosas e perversas, mesmo que para quaisquer teólogos de cabarés ou pós-pós-modernos em suas abstrações: mas aqui o pico da desgraça no orbe[2] é, deveras, torto.

Afirmo que a presença da igreja neo-pentecostal foi crucialmente posta em contraste com o monturo. Mas, o contraste é amálgama do mesmo monturo permeado e sustentado pela desgraça da exploração da fé. William Blake em “O casamento do Céu e do Inferno”[3] afirmou que a lei é fundamento da sociedade e os tijolos fofos da religião são as bases dos prostíbulos, assim, cada assentamento é necessário às engrenagens sociais do estabelecimento governado por Deus.

O dono da boca, um cachorro brabo, feroz como a vida uma ordem cobra mesmo os desordenados dos desordenados e marginais e a vida não vale quase nada ou nada no mundo da desvalia. Melque levou fumo de três-oito e doze por 10 contos, resta-nos saber quem herdará suas fitas cassetes, provavelmente roubadas.

Cantará o padre durante a santa missa, ao auspício de “comunista”, ministrando os sacramentos que o orbe dos anões é brutal?!

 

Melque[4]

 

 

Hei, bicho! Tá ligado que aquela parada toda

não era pra nós? A ponta torta de um fiasco

 

Tem gente caída numa fria, agora, já soube?

O pobre do Melque levou tiro de doze no bucho,

 

ficou jogado no monturo geral,

perto da Igreja Quadrangular!

 

Antes, bem louco, ouvido aquelas músicas

extremas em velhas fitas cassetes

 

Disseram que ele fumava e não pagava

O dono de Boca é implacável, cachorro brabo

 

Três-oito enferrujado e nenhuma concessão!

 

Melque devia dez contos e umas moedas

Já uma bala de doze custa 50,00 Reais

 

Que loucura é essa de gostar de ver a Queda?

 

Uns Homo sapiens, metade bípedes metade feras,

mandaram Melque ao grau zero de lugar nenhum, lá onde

 

a mais alta desvalia brinca com anões — disse o padre

 

 


[1] Ver O Abc da literatura.

[2] Expressão sempre descritiva e acentuada de um conjunto de expressões presentes no livro O Reneval de Wellington Amancio.

[3] Por referência!

[4] Do livro “O que é isto ou aquilo”. Ed. Parresia, 2009.







Wellington Amâncio da Silva nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana. É músico multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e Linguagem (2015), Pensar a Indigência com Michel Foucault (2018), Gumbrecht leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela (2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca.

 

 


Leo Barth, nasceu em 1984. Delmirense dividido entre sertões e capital do caos. Começou a escrever por causa da Teologia. “Homem que nasceu morto, e que se acha em cada esquina, poeta de bêbados e esquizofrênicos, delimitado pelo caos particular, e autor de nada”. É notável entre os novos poetas trágicos-febris, um dos nossos maiores poeta do underground alagoano. Tem uma filosofia existencial-literária parecida com o grande Macedônio Fernandez, que escrevia compulsivamente sem muito importar-se com publicações. Boêmio, Machadiano e acadêmico, o autor possui centenas de poemas inéditos, produzindo-os desde 2001. É co-fundador do grupo “Arborosa”, de poesia, arte visual e fotografia, e editor do staff da Edições Parresia. Publicou na Utsanga (Itália) revista de poesia experimental, e em revistas brasileiras.