por Yvonne Miller___
Fotografia: Taciana Oliveira |
Não lembro quantos caldos eu já tomei
tentando surfar as tuas ondas turvas. Não sei quantas vezes fiquei submersa nessas
águas salgadas, de cabeça pra baixo, a prancha voando pelo ar. Outras – poucas
– que deslizei veloz e suave em direção às tuas areias brancas, o vento batendo
no rosto, sal nos lábios, sol nos olhos, aquela felicidade. Tudo valeu a pena. Aqui,
na Praia do Futuro, tua paisagem é tão mais encantadora do que na nobre irmã.
Beira-Mar, a bem-falada, badalada, pipoqueiros e forasteiros percorrendo sua
calçada, o mar verde comportado, mercado de peixe, feirinha, aquela bagunça de
vozes e gente. Fujo aos pés de Iracema, água de coco com reggae. Espigão da Rui
Barbosa, pôr-do-sol. E um pulo para o Dragão do Mar, melhor cinema da cidade, o
Juruviara cantava no bar, a gente dançava forró e só não me lembro por que eu
nunca entrei no planetário. Deve ser dessas coisas que a gente deixa para
depois e depois nunca faz. Ver as estrelas para quê, se tinha você ao meu lado?
Lembra quando vimos Chico César, Ana Cañas ou Silvero Pereira em “BR Trans” na
Caixa Cultural? Em toda Berlim não tem um espaço cultural que eu goste mais do
que dessa dupla perto do mar. Mas você tem mais do que o mar: tem rio, dunas,
manguezais, e o Parque do Cocó. Refúgio para mim, as garças e os soins, como se
estivéssemos, de fato, na mata. Na mata eu moro agora, mas confesso que às
vezes morro de saudade da tua urbana alegria. Dos rolês literários, do Benfica
com a livraria Lamarca e seus bares “onde a esquerda grita seus palavrões” (lembra
do Fabrício Corsaletti? Ele também se encantou contigo). Da noite no Mercado
dos Pinhões, samba ao vivo e uma feijoada desconstruída no prato. Tenho que
dizer que no final aprendi a saborear teu cardápio: a moqueca de arraia no La
Bené na Sabiaguaba, o peixe fresco na Pedra, a quinta-feira da ostra e, quando
batia muita saudade de Berlim, o shawarma na Praça da Imprensa.
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Dos 296 anos que você faz hoje, te
acompanhei durante três. Mas tenho quase certeza que um dia voltarei a ver, nas
suas praias, o meu futuro.
Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora