por Anthony Almeida__
Passei dos trinta e não sou pai. Nessa idade não tenho filhos
e, se não tenho filhos para olhar, olho para os pais. Desejo o abraço do pai, o
cheiro na testa da mãe. A companhia da vivência dos dois. O cotidiano adulto de
nós três.
Ao longo dos vinte, eu vivi a aventura do jovem adulto.
Afastei a mãe, o pai e depois a casa. Arrumei um emprego possível e decente.
Paguei contas. Resolvi que aprenderia a dirigir e a pilotar. Paguei autoescola
e consórcio de moto. Viajei sozinho. Não, sozinho foi depois.
Viajei com minha galera, fretamos uma kombi na noite de São
João. Abandonamos Caruaru e suas fogueiras juninas. É emblemático, para um
caruaruense, renunciar da sua terra na grande noite das fogueiras. Foi nossa
proclamação de independência e audácia. Mostramos força, juventude, vida.
Largamos a quentura e o aconchego das fogueiras, a roda da
família à sua volta, o milho, ainda envolto pela palha, assado entre as chamas
da lenha, o espetinho de queijo coalho, chamuscado pela brasa. Alguns, de
tarde, ainda ajudaram na construção da fogueira. Eu, nem isso – arrumei foi a
minha mochila para a viagem da noite.
A grande noite que arde é aconchegante. É quente feito ninho.
Nós queríamos voar dele e fomos, numa kombi paga com nossa própria grana.
Partimos para o Sertão. Caruaru ardia em fogueira e forró enquanto avançávamos
Pernambuco adentro.
Quanto mais Agreste, mais acesos ficavam os arruados, vistos
na noite da janela. O lume das fogueiras se multiplicava a cada cidade, a cada
povoado, cada vez mais perto do Sertão. Viajamos cantando, queríamos outro
fogo, mais encantado. Queríamos escrever o nosso próprio cordel. Queríamos o
São João do Sertão, de Arcoverde. Nos encantamos. Queimamos o fogo desse cordel.
Depois viajei sozinho. De moto, para as cidades vizinhas. De
ônibus, para a capital. De avião, para uma retirada de muitos anos – mais de
dez – e muitas léguas – quase seiscentas.
Do Sudeste de hoje, do sertãozinho do oeste paulista, olho
para o Nordeste, para o Sertão, olho para o Agreste e desejo – ah, desejo! – um
amanhã de cara para o facho das fogueiras. De São João, de Santo Antônio e de
São Pedro também.
Não é a quentura de um ninho que eu quero. É a companhia da
vivência com meus pais. É a cumplicidade de ser adulto e entender suas
escolhas, acertos e erros. É o privilégio de ter mãe e pai e de aproveitar do
amor desse pai e dessa mãe. É o aconchego das fogueiras, a roda da família à
sua volta, o milho, ainda envolto pela palha, assado entre as chamas da lenha,
o espetinho de queijo coalho, chamuscado pela brasa de uma fogueira que eu ajudei
a construir.
Presidente
Venceslau. Abril, 2022.
Anthony Almeida é professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e reside em Presidente Venceslau/SP, onde leciona. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. Atualmente é cronista do Jornal Tribuna Livre e da Revista Mirada. É doutorando em Geografia, pela UFPE, editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica, e colecionador de cartões-postais. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com