Narrativas de uma memória em chamas | Natali Assunção

 por Taciana Oliveira__






Narrativa de uma memória em chamas, de Natali Assunção, é um dos próximos lançamentos do Selo Mirada. A autora conversou com 11 mulheres de realidades socioeconômica culturais diferentes para tecer histórias e perspectivas que falam sobre elas e sobre nós. Para realização desse projeto foi criada uma campanha de financiamento coletivo. Colabore ou conheça um pouco mais sobre este trabalho: clica aqui

 

Conversamos com Natali Assunção. Segue a entrevista:


1 - Como você descreveria “Narrativas de uma memória em chamas”?

Esse trabalho costura muitos afetos. É um livro de partilha, construção e troca. É um convite poético a um café que pretende acender pavios, reverberar histórias, assim, como se estivéssemos em volta de uma fogueira e que, nesse movimento, passa por diferentes construções artísticas.

A partir do tema liberdade e aprisionamento no cotidiano das mulheres falei com 11 mulheres de realidades socioeconômica culturais distintas. Elas partilharam suas vivências com muita generosidade e, em decorrência desse atravessamento, construí quatro obras: um ensaio fotográfico (Espelhos), um filme (Narrativas), uma peça (Ainda escrevo para elas) e o presente livro que borda, para além de uma costura simples, todo esse processo.

 

2 - A tua história enquanto artista comunga na diversidade de linguagens e gêneros artísticos. De onde vem toda essa bagagem? Como e quando você se percebeu dentro dessa construção artística?

Não me conheço de outra maneira que não artista. Não sei precisar o momento em que isso se estabeleceu. Seria na infância na relação que tinha com a música? Durante o crescimento quando partilhava filmes com minha mãe e desenvolvia um amor profundo pelo cinema? No conhecer e me reconhecer na literatura? Não sei, mas não lembro de mim, seja em qual for a fase, como não artista ou como não devota a arte.

Da sede de ler, ver filmes, séries, escutar podcasts, ver peças… à minha formação formal e atuação profissional está tufo impregnado de multilinguagens. Assim se construiu também minha criação artística, em diálogo.

Sou comunicadora (radialista), especialista em jornalismo cultural, mestra em artes cênicas, atriz, me dedico agora aos estudos contemporâneos das artes e, na minha jornada, dialogo com TV, rádio, internet, teatro, cinema, escrita… acho que a sede de mundo acaba escoando aí também.


3 - Como Narrativas de uma memória em chamas potencializa um diálogo sobre a condição do universo feminino?

Ao lançarmos o olhar sobre aspectos do cotidiano de mulheres de realidades tão diferentes usamos uma espécie de lupa que proporciona, a partir dessas intimidades e do universo possibilitado por esse recorte, sobre questões universais e sociais que nos afligem. Não por acaso as histórias se mostram com muitas particularidades e especificidades, mas em alguma medida também apresentam questões cíclicas que permeiam todas elas. Não por acaso também suas narrativas ecoam as de muitas outras mulheres. Esse trabalho potencializa esse diálogo por nos lembrar de olhar para dentro, para o entorno, para nossos micro-universos alargando as percepções sobre o que nos rodeia no cotidiano. Às vezes estamos atentes às questões globais, mas elas passam despercebidas sob camadas normalizadas que envolvem pessoas no nosso entorno.

 

4 – Vou citar Chantal Akerman como uma possível referência ao teu trabalho, não como inspiração, mas na força da concepção do discurso narrativo visual que vocês oferecem.  A cineasta belga afirmava: Nos meus filmes, você está ciente de cada segundo que passa, através do seu corpo. Você está diante de si mesmo. Você está cara a cara com o outro. É a partir deste face a face fundamental que seu senso de responsabilidade se inicia.”   

A performance corporal apresentada no conjunto de fotografias e nos textos que compõem Narrativas de uma memória em chamas se encaixaria de alguma forma nesse contexto? 


Sim. Porque todos os aspectos do trabalho (fotos, filme, peça, livro) nascem do encontro. Do encontro como escuta, atravessamento e afeto. Daí também surge o espelhamento que reverbera na construção de cada obra.


5 – Atuar neste cenário de radicalismos que vive o país te estimula ainda mais ou é um freio nos teus processos criativos?

Tem sido difícil. Tem sido muito difícil. Quando não estamos segures da sobrevivência o resto, por mais necessário que seja, pode ficar turvo. Então faz-se necessário juntar vozes e forças. Identificar quem está com você nessa jornada e se fortalecer mutuamente para que tudo seja canalizado em emergia criativa porque essa é a nossa ferramenta. A arte é a nossa bandeira, arma, afago.


*as fotografias de Natali Assunção são de autoria de Fernanda Misao.









Natali Assunção - Artista e comunicadora pernambucana, com trajetória permeada por pesquisa e ação. Foi integrante fundadora do AMARÉ Grupo de Teatro (PE) com o qual realizou os espetáculos Amar é crime, baseado no livro homônimo de Marcelino Freire e Espera o outono, Alice que marcou presença em festivais como o Janeiro de Grandes Espetáculos (PE) e Ao Teatro! (Portugal). Também fundadora do Memória em Chamas com o qual pesquisa e produz trabalhos em áreas como teatro, cinema, fotografia, colagem, etc. Formada em Comunicação Social - Radialismo e TV (UFPE), Especialista em Jornalismo e crítica cultural (UFPE), Mestra em Artes Cênicas (UFRN), Doutoranda em Estudos contemporâneos das artes (UFF), e atriz pelo Curso de Interpretação para Teatro (SESC St. Amaro/PE). Atua em diversas frentes como atriz, roteirista, escritora, diretora, locutora, preparadora de elenco, professora e produtora nas áreas de teatro, cinema, televisão e internet.






Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…