por Adriano Espíndola Santos__
Jr. Korpa |
Quem
por acaso visse o nosso herói de passagem, entre ruas movimentadas não teria
ideia do que ele era capaz. Sempre olhando para baixo, com vergonha do rosto
comprido, não daria brecha para que vislumbrassem a sua alma. É bem verdade que
Sander – ou Sanderlúcio, seu nome de batismo; mas aqui preferimos a abreviação
carinhosa – não passaria assim tão despercebido, com os seus quase dois metros,
e apenas dezenove anos de idade. Como se diz, é um gigante do coração mole. Cedo,
Sander soube o que era a dita vida dura. Com a morte de seus pais num acidente,
foi criado pela avó paterna, em Quixelô, uma cidade no interior do Ceará. A urbe
pequena, com pouco mais de quinze mil habitantes, logo percebeu que havia uma
diferença do meninão para as outras crianças; era grande e robusto. Com quatorze
anos, a aflição da avó aumentava, porque o já rapaz teria dado um estirão que
mal o permitia se manter em pé em casa – é preciso dizer que sua humilde
residência era uma casinha muito simples, aos moldes do interior, com o pé
direito baixo, na qual caberia um homem médio. Aos dezoito, por orientação
médica, o menino foi levado a Fortaleza, mais precisamente ao Hospital Geral, e
diagnosticaram gigantismo, causado por um tumor benigno na hipófise. A avó e o
rapagão, mesmo sem condições, tiveram de se mudar para Fortaleza, para uma
série de exames e tratamentos. Havia a possibilidade de retirada do tumor, mas
custaria a espera e a disponibilidade da equipe. Com mais um ano ocorreu a
cirurgia; um sucesso. Sander se recuperou bem, e os testes bioquímicos
confirmaram que ele estava curado. Mas como reverter a altura desmesurada?
Impossível. Sander teve de se acostumar, a custo, com as dores na coluna e nas
pernas, ambas. A sorte é que Sander sabia pintar como ninguém; aprendera
sozinho, e era isso que os sustentava. Todas as segundas, quartas e sextas
Sander e a avó iam ao centro da cidade e ali o meninão fazia as suas artes em
azulejos, com tinta a óleo, sobre os esplendores da natureza – ele ainda cria
em Deus, na misericórdia e no milagre de estar vivo. Levavam uma vida
razoavelmente tranquila, à moda da simplicidade, como lhes aprazia. Só que a
avó caiu enferma, e dessa vez foi a hora de Sander a acudir. Não se sabia bem o
que era; a mulher pouco interagia; era sintoma de morte, Sander pensava. Com as
migalhas que conseguiu juntar, pagou o Uber da Serrinha para o Centro, para o
mesmo Hospital Geral. Falou com o médico amigo, que lhe tratara, e pediu uma
atenção especial para a avó; que só tinha ela no mundo; sem ela ele não seria
ninguém, relatou aos prantos. Ainda assim, ela passou um dia e uma noite nos
corredores do hospital, pois não havia vaga. Sander, extremamente confuso e
aperreado, conseguiu a sua transferência para a Santa Casa de Misericórdia,
onde havia vaga; tudo isso com muito jeito e agilidade. Não suportava os calos
nos pés e as dores tremendas nas pernas; e nada dizia. A mulher felizmente foi
atendida e teve uma recuperação lenta, mas progressiva e positiva. Por fim,
quando soube da melhora da avó, Sander se convenceu de que estava mal e
precisava de ajuda. Os médicos avaliaram e acharam um grave problema, a
diminuição das cartilagens dos joelhos; a dor era mesmo insuportável,
refletiram, com espanto. O gigante foi encaminhado direto para o centro médico
e se submeteu a cirurgia das duas pernas, por extrema necessidade. Horas depois
estavam juntos de novo, Sander e a avó, num leito do hospital, rindo e se
deliciando com o sabor da vida nova que despontava além das janelas. O pacto
dos olhos é que seguiriam acreditando, até quando Deus permitisse.