por Taciana Oliveira__
Um
bate-papo com o ator, dramaturgo e diretor teatral Quiercles Santana. Na conversa destacamos a estreia de “Poema”: “um espetáculo de teatro
(crítico, político, poético), no qual um ator dá corpo a quatro vozes, que
refletem e resumem a nossa miséria social, econômica, sanitária e humana.”
1 - O
espetáculo “Poema” se insere em que aspectos da dramaturgia de resistência?
É um
texto que nasceu no começo da pandemia, em 2020, como um desabafo, um vômito,
uma forma de expressar o medo diante de milhares de mortos e uma política pública
federal omissa, criminosa, impiedosa, absurdamente estúpida.
Antonio
Martinelli, o autor, isolado em sua habitação, reflexivo, inquieto,
impotente diante dos fatos, observando a tragédia concebeu o texto, que foi
logo publicado pela N-1 Edições, com o título “TETRALOGIA DA
PESTE".
As
palavras formam uma enxurrada de imagens que acionam o medo, a indignação, a revolta, a miséria sanitária, econômica, política, humanitária, não apenas do Brasil
(Manaus/AM e Brasilândia/SP), mas também de Guayaquil (Equador) e Bergamo
(Itália). É um expurgo, o espetáculo, uma agonia que se coloca para fora, um
mal que precisa ser observado de perto, para talvez daí se tirar alguma
aprendizagem.
2
- Você assina a direção com a Tuca Siqueira, os textos são de autoria de
Antonio Martinelli e em cena temos Edjalma Freitas. Conta pra gente
como se deu esse encontro.
Galiana
Brasil apresentou o autor para Edjalma, que logo quis levar
à cena. Submeteu o projeto à Lei Aldir Blanc para que fosse feita uma versão
online. Ele tinha pensado na possibilidade de convidar a Tuca Siqueira,
porque já tinham trabalhado juntos em outros projetos. Assim que aprovamos o
projeto, Tuca veio somar à equipe e o desafio passou a ser como fazer teatro na
tela e não apenas mais um produto cinematográfico. Então ao invés de uma mesa
de cortes, duas câmeras e sei lá mais o quê, a ideia de uma câmera só, numa
tomada única, nos apareceu como a forma mais adequada de mostrar uma
experiência mais próxima do teatro. Uma equipe de transmissão online, mais o
pessoal de captação de áudio e imagem, somadas ao talento de Luciana Raposo
e Luciano Pontes, gerou uma cinestesia que possibilitou que o público
pudesse ver um trabalho delicado, poético (sem ser meloso), potente.
3 –
Após o período da pandemia como você percebe a retomada da cena teatral em
Pernambuco?
Particularmente
não tenho do que reclamar. Muitos projetos acontecendo simultaneamente. Só no Trema! Festival estou com dois
outros projetos, além de Poema: "Solo Fértil” (que irá acontecer no
dia 24 de abril, no Teatro Marco Camarotti) e "Kalash: Ensaio Sobre a
Extinção do Outro" (26 de abril, no Teatro Hermilo Borba Filho). Penso
que o setor precisava se unir mais, porque é uma luta em comum, contra um mal
em comum, que não é somente o vírus. Mas
sinto que mesmo assim, as pessoas começaram a confiar mais em suas propostas artísticas
e estão botando para moer. Sinto uma energia de retomada, de crença na arte, de
que resistiremos ao que quer que venha de outubro para a frente.
4 -
Augusto Boal escreveu: “Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas
casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais
puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento –
é forma de vida! Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em
sociedade: é aquele que a transforma.” Em tempos de tamanha desumanização
como o fazer teatral contemplado em um espetáculo como “Poema” pode nos
mobilizar além do palco?
Isso
continua a ser verdade. Se não mudarmos a sociedade, se não nos entendermos
como atores (os que agem) políticos, estamos ferrados. Somos corresponsáveis
por muita merda que anda a ser feita no Brasil.
Um
espetáculo de teatro tem o poder de afetar você, de tirar você de sua posição
cômoda de suas verdades, provocando você a olhar em outras direções; de lhe emocionar,
de mostrar o mundo por outro ângulo. Há um desejo de empatia pela vida do
outro, pela dor do outro, que muitas vezes também é nossa. Precisamos entrar em
comunhão. Senão estamos perdidos. O
teatro mostra o mundo de ódio e intolerância que temos hoje, questionando se
não seria possível mudar para um melhor, mais humano, mais fraterno, mais
amoroso.
Quiercles Santana |
SERVIÇO
Teatro
Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro, Recife)
20 de
abril. 19h. (Próxima quarta-feira)
No
@tremafestival
*Entrada
gratuita. Ingressos distribuídos uma hora antes da apresentação. Chegue cedo.
FICHA
TÉCNICA
Textos:
@antoniomartinelli
Atuação: @edjalmafreitas
Consultoria de atuação: Henrique Ponzzi
Iluminação:
@lucianaraposoluz
Músicas:
@tarcisioresendee e @huff.pedro
Direção:
Quiercles Santana e @tuca.siqueira
Fotos:
@rogerioalves423
Quiercles Santana é ator, encenador, dramaturgo e professor de teatro, que adora cinema, poesia e outras drogas. Teatro tem sido sua forma de existir e resistir, de continuar acreditando na vida.
Taciana
Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada.
Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha
não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading
for a spin. Some strange music draws me in…