por Leo Barth__
O
escritor Wellington Amancio nos presenteia com o respectivo aforismo de número
05[1] construído em brio sarcástico. Apontando, de forma provocativa, um
zeitgeist do inferno lucrativo da pós-modernidade no circo de Lavener[2]:
uma implosão e sepultamento da caridade no campo grotesco do ofuscamento e
domínio da filantropia burguesa.
Ora,
o firme exercício da caridade, com intrínseco sofrimento cego de bardo leproso,
é o doar-se pelo próximo, uma vez que é processo resultante da empatia.
Entrementes, no tempo e espaço, povoado pelo rei e ou poder que é postulado
como única possibilidade estrutural por si, domina seus meteoros e ou desgraças
resultantes para custear e manter os necessitados e desvalidos.
Quem
se importa com o destino dos filantropos? A voz narrativa responde de forma
loquaz, eu não. "A manutenção da
tua merda de pobreza" traz o quadro das engrenagens e mecanismos que atuam
no mundo rompante de hermetismos no projeto abandonado[3], o estado
sutil e alienante na estrutura é reforçado ao átimo que as rodas de aço esmagam
a vida. Alienante por ser o combustível de si mesma entre tantos hermetismos
dos homens para os outros homens e para si mesmo que justificam sempre uma
pequena realeza.
Assim,
os privilegiados trazem suas sacolas de caridades em holofotes midiáticos, a
pobreza custa tanto quanto esmola e é rentável, e, sobretudo, afável. A
caridade burguesa produz amor no âmago dos modernos escravizados.
Nos
últimos versos o poeta usa o termo andrajosos, mas refere-se aos próprios
membros da nova caridade, esses, apesar de exalar os bons perfumes, são
descritos como farrapos. O processo de desumanização, opressor e oprimido, é
mútuo. Todavia, a tomada da consciência para o mal e pelo mal é destacada à
manipulação ativa dos personagens de casta privilegiada em relação às
disfunções e catástrofes resultantes do acúmulo. A retroalimentação é desejada
para o exercício do pleno funcionamento de um mundo horrível tecido, talvez,
por um demiurgo perverso e trapalhão indiferente ao sofrimento humano.
Resta-nos, assim, o grito da litania do homem que luta com a palavra: reneval,
reneval/ círculo hediondo. O viver tornou-se repulsivo quando o homem assumiu o
processo inverso de coisificar-se.
Quem se importa se cair um meteoro na casa do filantropo?
Eu não...
A manutenção da tua merda de pobreza
Vai justificar uma pequena realeza
Todos bonitinhos carregando uma sacola
Sabem que a pobreza custa tanto quanto esmola
Homens bonitinhos com sua imensa bondade
Sabem que a esmola se transmuta em caridade
Andrajosos precisam decidir onde o meteoro terá de cair!
[1] Ver a 5ª música da banda de hardcore em que Wellington
Amancio é vocal, baterista e produtor Valacomum — O monstro (2019) full album
-- Lado B, no Youtube.com.
[2]
Personagem que figura imagem de poder autoritário nas litanias que integram o
livro O Reneval, de sua autoria - Delmiro Gouveia: Edições Parresia, 2018.
Aqui, nos debruçamos e cruzamos o aforismo com o texto da litania segunda
(efusiva e devotada).
[3] Ver a litania quarta de O Reneval
Wellington
Amâncio da Silva nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É
professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana.
É músico multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e
Linguagem (2015), Pensar a Indigência com Michel Foucault (2018), Gumbrecht
leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de
dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval
Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela
(2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros
poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições
Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica
e linguaggi di ricerca.