por Germana Accioly__
-
E aí? Já voltou a amar?
Tem
gente que me encontra na rua e me pergunta, sem cerimônia.
Penso,
aqui com meus botões, quando foi que eu deixei? Em geral, dou uma risada
amarela, pergunto se está tudo bem, dependendo da pessoa ainda ensaio um abraço
e desconverso.
O amor
romântico roubou o sentido dos outros amores. Sou uma pessoa que ama,
definitivamente. Aliás, será que existem outros amores? Tudo não seria amor?
Amor de mãe, amor de filha, amor de irmã, amor de amiga... Amor ao próximo. De
todos os “tipos de amor”, aprendi que existe sim um mais importante, semente de
tudo. Um amor raiz, um amor matriz, um amor primordial: o amor-próprio. Sobre
este pouco se fala, pouco se versa, pouco se canta, pouco se define.
Ninguém
me para na rua e pergunta: Você se ama? Ou... Como vai o seu amor-próprio? Aqui
pra nós, a questão soa até sem nexo. Quem quer saber? Valem mais as fotos aos
lotes circulando em redes, alianças via satélite. De tão importante, a
expressão tem um hífen juntando as duas palavras: “AMOR-PRÓPRIO”. O que a
gramática uniu, ninguém mais separa. Amém.
A gente
aprende a amar para fora. Receitas infalíveis para “conquistar o objeto de
desejo”, aliás, que expressão mais esquisita! A pessoa imagina tanto o ser
amado que ele vira até uma coisa... Tem que caber no sonho, dobrado na caixinha
embalada para presente. Existem fórmulas, magias, mandingas, simpatias para
“prender” a pessoa amada. Quanto mais eu escrevo, mais me incomodam as
expressões! O amor como um cheque nominal, cruzado e pré-datado. Ou seria uma
promissória assinada em branco? Aliás, quanta expressão fora de uso!
Seria o
amor um sentimento para o qual estamos predestinados? Único caminho para a
felicidade, custe o que custar. Sofrer de amor, por amor, Peloamor!
Eis
que, andando na rua, encontro alguém que me faz esta pergunta singela, super
bem-intencionada, até mesmo preocupada comigo:
- E aí?
Já voltou a amar?
O meu
próprio amor estava perdido. Foram tempos difíceis. Procurei por ele dentro de
mim como quem busca um alfinete pela casa. Uma centelha minúscula, que se
escondia em recantos inusitados. Nunca duvidei que ele existia, nem que
esperava por mim. Sentia lampejos, recados soltos, impressões vagas.
Encontrar
com a minha porção foi surpreendente, inaugural. Arrisco dizer que vivi uma lua
de mel sem precedentes. Cresci neste amor, fortaleci a membrana afetiva, defini
o músculo cardíaco, trabalhei cada partícula do sangue que circula em mim.
-Se já
voltei a amar?
Olhe
para mim. A resposta está para além dos meus olhos.
O amor?
Ele próprio.
Germana Accioly é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista