por Yvonne Miller__
Foto: Mariel Salazar |
— Amor, vem cá, estamos socializando com tutu! — ouço
a voz da Larissa vindo do jardim.
Confesso que a frase me deixou intrigada. Em primeiro
lugar porque não sabia que minha esposa possui um tutu. E, se um dia possuiu,
como teria sobrevivido a todos os brechós, mudanças e ataques de Feng Shui
dos últimos anos? Outro aspecto que chamou minha atenção era o verbo auxiliar “estamos”
– mais concretamente seu sufixo de plural. Quem seria “-mos”? Ela e mais quem?
E somente ela estaria usando um tutu, ou todo mundo? Todo mundo, aliás, só
podia ser nosso vizinho Luciano, o único que mora num raio de um quilômetro.
Difícil imaginar o Luciano de tutu... Bom, difícil, porém não impossível. Mas
havia mais: ela tinha dito que estava “socializando”. Agora por acaso não se
dizia mais “conversar”? Devia ser uma gíria nova. Aliás, para mim como
não-nativa, todas as gírias são novas. Lembro da vez – acabávamos de nos
conhecer – que Larissa me disse pra “rebolar no mato”. Querendo impressioná-la,
ali mesmo no Parque do Cocó lotado de fotógrafos, grávidas, noivos, ciclistas,
esportistas e famílias reunidas em piquenique entrei no mato e fiz o melhor que
minhas inflexíveis cadeiras alemãs permitiam até que ela, bolando de rir e chorar,
me implorou pra parar...
Bom, mas voltando ao rolê com tutu no jardim de casa:
— Tô indo! — aviso escada abaixo. Três minutos depois
chego no jardim vestindo o maiô laranja que comprei no Carnaval de 2020 (o mais
parecido com um tutu que achei no guarda-roupa). Larissa (de vestido) está
conversando com dois rapazes desconhecidos de roupa esportiva (e definitivamente
não de balé), enquanto o nosso cachorro e o deles estão, de fato, socializando
– um eufemismo que, em bom português, quer dizer que um está com o nariz grudado
no cu do outro.
— Olha, amor, essa é a Tutu — diz a Larissa
sinalizando ao pitbull marrom de 30 quilos, não sem antes registrar meu visual
com as sobrancelhas levantadas.
Forço meu melhor sorriso:
— Prazer, Tutu.